29 janeiro 2008

Do Gavião ao Nabo


No dia 26, o passeio estendeu-se até ao Nabo, passando pelo Gavião. O nevoeiro já nos martiriza há alguns dias e, quando tive um tempinho livre e alguma luminosidade no horizonte, agarrei-me à bicicleta que começa a ganhar ferrugem e saí disparado em direcção à Barragem do Peneireiro. Por incrível que pareça, mesmo depois de ter passado dezenas de vezes no local, nunca tinha visto a Fonte do Olmo. Agora que a obra ao lado começou a ganhar volume, lá consegui encontrar mais este ponto da história. Um dia destes falarei desta fonte.
O panorama na barragem é bastante desolador. Tem pouquíssima água. Não sei como ninguém se lembra de encaminhar a pouca água que já corre pelos terrenos, em direcção à barragem. Em tempo de seca, todas as gotas são importantes e devem ser aproveitadas.
Havia uma pequena mancha no meio da barragem. Aproximei-me o máximo que pude, não tenho dúvidas, era mesmo um Mergulhão-de-crista (Podiceps cristatus).
Pode ser que este ano tenha chegado mais cedo, pode ser que já esteja para ficar. Já noto nas aves algumas alterações em relação ao Inverno, mesmo sem este ter terminado. Os tentilhões abundam, os pintassilgos voam em bando, os tordos, esses nem em mim confiam. Há um melro negro que se empoleira numa das árvores mais altas da minha escola, intercalando as minhas expressões matemáticas com melodiosas assobiadelas. Eu é que me sinto na gaiola!

Voltemos ao caminho. Desde Março de 2007 que não ia ao Gavião. Agora que está prestes a virar cenário de novela, tinha curiosidade em ver o que tinha mudado. O caminho está bom, foi espalhada alguma gravilha, mas, para a bicicleta, pouca diferença faz. Os campos fervilhavam de gente. Havia homens e mulheres a podarem as videiras e subiam colunas de fumo distribuídas pelos montes e vales, espalhando o aroma de folha de oliveira queimada, restos da limpa das oliveiras. Junto à antiga aldeia ainda ouvi o som característico da vara a bater nos ramos de oliveira! Ainda se apanhava azeitona!
Junto das casas, tudo está igual. A pequena capela luta por se manter em pé mas a maioria das casas já caiu. Espreitei de novo nos lugares já meus conhecidos. Lá estava o lagar do vinho e o forno do pão, tudo coberto de silvas e mato. Lá estava o poço, inspirador de histórias, também a eira e as mós de alguns moinhos. Estava também o caminho, desafiador, que descia encosta abaixo. Neste ponto vieram-me à memória algumas palavras de Nascimento da Fonseca:*
"…descia do Gavião bolsa atravessada. No alto do povoado, com a corneta de bocal delido, juntava pelo eiró, os interessados em notícias.
O acto rotineiro acertava a aldeia sem relógio de campanário.
- Co…rrrei…o…o!
A penúltima sílaba era sempre longa, atirada com o fôlego de alegria cheia. Quer em dias de casa, aborrecido; quer em manhãs de Primavera; ou na ventania agreste do Outono esvaecido, ou pelo Inverno triste com palmos de nevoeiro”.
Segui saboreando estas palavras e admirando a vinha e olival cravados na encosta com as unhas dos homens e regados com o seu suor. Lá baixo, em Godeiros, a barragem ganha forma, mas o vale ainda está muito descolorido. Aproximei-me do Nabo pelo Poente, numa posição elevada, onde nunca tinha estado. Parei e sentei-me uns minutos. A aldeia parecia espreguiçar-se, sorvendo os raios de sol, para se defender da sombra escura e gélida que já chegava à Ribeira do Arco. No extremo Sul, Nossa Senhora do Carrasco descansava em eterna tranquilidade. As acácias que lhe fazem companhia e sombra, ainda não floriram, mas falta pouco.

O caminho em que seguía levou-me quase a Sul da aldeia, mas, numa curva mais apertada, conduziu-me paralelamente à ribeira, até à Rua de Cima do Povo. Espreitei junto à paragem dos autocarros, uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, com menos de 10 cm. Continua lá! Também a Santa Bárbara me saúda do frontispício da igreja, a cada vez que ali passo . Subi a rua até à Nossa Senhora do Carrasco. Em mais um momento de tranquilidade pensei na designação Nabo. Se para uns se trata da raiz da tão apreciada nabiça, a origem do nome da aldeia pode ter uma explicação menos simplista. No livro de Pinho Leal, Portugal antigo e moderno, editado em 1875, é dito que o nome da aldeia pode derivar de Nábulo que era um antigo tributo pago nas barcas para atravessar o rio. Esta explicação pode ser bem antiga e estar relacionada até com a Ribeira da Vilariça e a história de locais circundantes com vestígios arqueológicos em Godeiros e na Pala do Conde.
Desci de novo até junto da igreja. Ainda não tive o prazer de aí entrar, mas também ainda não foi nesta visita. Não me restavam nem tempo, nem alternativas. Parti pela Rua do Cabo do Lugar em direcção a Vila Flor. A subida pela N610 e depois pela N215 até chegar a Vila flor é lenta, dá tempo para apreciar a paisagem. As amendoeiras da berma da estrada estão prestes a explodir em beleza. Quando estiverem floridas, vale bem a pena um passeio pelo Nabo, Arco e Seixo de Manhoses, Carvalho de Egas e Samões. Cá estaremos para registar o espectáculo, de novo.
Quilómetros deste percurso, em BTT: 22
Total de quilómetros em bicicleta: 1710
* excerto de um artigo publicado no jornal Enié a 15-10-1975.

1 comentário:

Anónimo disse...

muito obrigado anibal, por mais uma visita espectacular a esta aldeia tão genuina. votos de continuação de um óptimo trabalho