28 maio 2008

Desafiando as alturas e as estações

(27-05-2008) Já há alguns dias que não fazia um passeio em Vila Flor. As condições climatéricas não têm sido as mais favoráveis e também houve uma série de solicitações que me afastaram da Descoberta de Vila Flor.
Hoje tive tempo e coragem, para desafiar o clima e as alturas, num passeio arriscado mas cheio de emoção.
Já fez um ano desde a minha primeira subida ao Cabeço de S. Cristóvão e à Serra do Faro, situados na freguesia de Vilarinho das Azenhas. Este conjunto de cabeços são, sem sombras de dúvidas, os locais mais agrestes e mais inacessíveis do concelho (além de serem os de maior altitude, só ultrapassados pelo Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Alagoa). Objectivo era apanhar um pouco de ar fresco, apreciar a paisagem das alturas e arejar a mente.
O tempo nem estava mau quando cheguei a Vilas Boas! Fiz um curto passeio pelo Largo da Lamela, para apreciar o pelourinho e dirigi-me, pela Rua da Nora em direcção a Vilarinho das Azenhas. Desta vez fui de carro. Além de chegar mais rápido ao local, posso levar a reflex digital, à qual já me habituei e que me custa dispensar.
A menos de um quilómetrode deixar a aldeia, deixei o automóvel e comecei a subida a pé. Dispunha de três alternativas: a primeira era partir da Vilas Boas pelo caminho junto à queijaria e ladear as montanhas pelo lado nascente; a segunda seria apanhar a estrada de Vilarinho das Azenhas e seguir o caminho, a meia encosta, a poente dos montes; a terceira seria seguir mais ou menos o eixo Sul-Norte, atravessando sucessivamente cada um dos cabeços. Como já percorri a primeira e a segunda hipóteses, optei pela terceira, de longe a mais difícil e arriscada de todas.

O céu apresentava algumas nuvens mas havia boas abertas com sol. À medida que subia, a aldeia foi ganhando outra dimensão e o cabeço de Nossa Senhora da Assunção ficando mais próximo. Estamos na Primavera, não consigo ficar indiferente ao colorido das flores. Deixei o olival e entrei no monte que apresentava vestígios de ter sido cultivado. Havia oliveiras, amendoeiras e até algumas figueiras. Curiosamente também havia grande quantidade de alecrim! Tenho encontrado alecrim em estado selvagem ao longo do Rio Sabor, mas, em Vila Flor, foi a primeira vez que o encontrei. Encontrei também muita urze, estevas, sargaços, pinheiros, carrascos e alguns sobreiros. Quando cheguei junto da escarpa, achei que era dificuldade a mais para mim e optei por procurar uma passagem mais fácil, ladeando o cume por Poente.

Aqui encontrei grande quantidade de Gladiolus italicus. Não sei como são conhecidos em Vila Flor mas a nível nacional são conhecidas como cristas-de-galo, espadana-das-searas, calças-de-cuco ou simplesmente gladíolo. Já perderam a sua pujança máxima. Fiquei muito entusiasmado quando encontrei esta espécie pela primeira vez, em Santa Comba da Vilariça. Este ano, quando fiz a descida da Linha do Tua a pé, encontrei extensos “canteiros” de gladíolos floridos, com uma beleza rara.
Depois da primeira “escalada”, para espanto meu, o Cabeço de S. Cristóvão estava ainda mais a cima, desafiando-me com altivez. Esta montanha tem um conjunto de pelo menos cinco montes alinhados: o primeiro, sobranceiro a Vilas Boas tem 762 metros de altitude; o segundo, conhecido pelo Cabeço de S. Cristóvão, eleva-se a 792 metros; o terceiro, onde nunca estive, tem 778 metros de altitude; o quarto atinge 757 metros; o último, o maior de todos, tem 822 metros de altitude e é conhecido pela Serra do Faro.

Mesmo com bom tempo, é um grande desafio subir ao alto destes colossos rochosos. Não sabia o que me esperava, ainda estava no início dos meus tormentos. Antes que começasse a subir ao segundo cabeço, voltou a chuva. Procurei abrigo nos rochedos e pouco tempo depois a chuva parou. Recomecei a subida. A vegetação molhada depressa me encharcou a roupa e as botas e os rochedos pareciam ter sabão.
Na primeira vez que subi ao alto do Cabeço de S. Cristóvão (17-02-2007), escrevi que este era o lugar mais fantástico onde já tinha estado, em todos os meus passeios por Vila Flor. Mantenho o que disse. Mesmo com condições atmosféricas adversas, o que se avista deste ponto, é algo de cortar a respiração. Apesar de não ser o mais alto dos cabeços, são 360 graus de paisagem que vale a pena admirar.

Ali mesmo aos meus pés descobri um ninho. Pensei tratar-se de melro das rochas, mas não, era mesmo de melro comum (Tordus merula). Não foi fácil conseguir fotografá-lo.
Segui para o terceiro cabeço. Recomeçou a chover. À primeira vista achei que não conseguiria subir ao alto deste monte. É muito íngreme, com rochas nuas e extensas. Comecei a subida pelo Poente mas tive que contornar todo o monte acabando por escalá-lo por Norte. Afinal era fácil, só que eu não conhecia o local.

A minha roupa estava encharcada e a máquina fotográfica embaciada. Mantive-me no alto do cabeço a receber alguns raios de sol, que a espaços, conseguiam romper a espessa camada de nuvens. Apareceu o arco-íris sobre Meireles. Saído do Cachão, um conjunto de nuvens começou a subir o vale, passou sobre Meireles e veio enroscar-se em volta do Cabeço de Nossa Senhora da Assunção.
Pareceu-me avistar algumas ruínas encostadas a enormes blocos de rochas, desci do cabeço e dirigi-me para esse local. De facto encontrei ruínas de uma habitação com várias divisões. As paredes eram muito largas e ainda têm mais de um metro de altura. Não sei se seria um ponto de apoio para alguma prospecção mineira ou se representam algo mais antigo.

Passei ao lado do quarto cabeço. Já era muito tarde e o céu estava escuríssimo, chovia torrencialmente na Ribeirinha.
O quinto cabeço, o maior de todos é já meu conhecido. Contornei-o pelo Poente e subi facilmente ao topo, onde está um enorme marco geodésico. O nome de Faro pode significar a utilização humana para sinalização e defesa. Ali podemos encontrar paredes derrubadas, que atestam a existência de um castro. O local é perfeito: é de difícil acesso; tem no topo uma pequena plataforma, bastante regular, onde caberia um povoado de consideráveis dimensões. O problema seria: onde é que estes seres das montanhas iam buscar a água?!
Numa carqueija, encontrei mais um ninho, desta vez de uma escrevedeira (Embezina cia).
Começou de novo a escurecer. Preparava-se a pior tormenta de todas. Comecei a descida lenta, porque o perigo de escorregar era muito, em direcção a Vilarinho das Azenhas. A distância até encontrar um caminho pareceu-me infinita. É extremamente difícil caminhar neste terreno mesmo quando está seco. Há muitas rochas, silvas, estevas queimadas, tudo a dificultar a progressão.
A meio da encosta tive que parar. Era impossível fazer a descida a chover daquela forma. Há um refúgio debaixo de uma enorme rocha, onde cabem várias pessoas de pé, foi aí que me abriguei. Quando a chuva diminuiu um pouco, continuei a descida. A noite aproximava-se e depois seria impossível descer.

Quando atingi o caminho recuperei a calma. Agora já sabia o rumo a tomar. Mesmo completamente encharcado e gelado, ainda tive entusiasmo para tirar algumas fotografias ao pôr-do-sol.

3 comentários:

Carlos41 disse...

Pura e simplesmente magico, magia trata-se aqui de magia não existe outra forma de descrever a belezza desta fotos e a narração por si feita.
Eu que sou de Vila Boas, residente em França, so lhe posso agradecer a divulgação desta aldeia assim como do concelho.

PS: não pare.

Anónimo disse...

Aníbal,
Já fiz o comentário a este belo trabalho, mas ,se calhar, por ignorância (sou uma aprendiz...),acho que não seguiu o destino.
Parabéns por tudo o que faz para divulgar as belezas da "nossa" terra.
Vila Real, 1 de Junho de 2008
Anita

Anónimo disse...

Caro Aníbal.
Que aventura e que sitios fantásticos.
Dos meus tempos de escuteiro,sonhei sempre organizar actividades nesses cabeços,nunca foi possível.Mas depois destas descrições,renasceu novamente em mim, a vontade de um dia os conhecer.Vou tentar,nas férias deste verão.Fiquei mesmo muito curioso.
Abraço
Rui Guerra