29 novembro 2008

De Vila Flor a Folgares

Pode dar a impressão de que me acomodei e abandonei as viagens a pé e de BTT pelos caminhos trasmontanos, mas não é verdade, simplesmente as minhas últimas Descobertas têm decorrido fora do concelho de Vila Flor.
O gosto pelas caminhadas vem de longe, de Miranda do Douro, mas renasceram com os percursos que tenho feito na Linha do Tua. No dia 16 de Novembro estive em Carrazeda de Ansiães no lançamento de uma rede de Percursos Pedestres (5 e mais um de BTT).
Hoje vou ilustrar uma caminhada que fiz no dia 23 de Novembro, entre Vila Flor e Folgares. Embora já tenha feito o percurso de BTT no sentido inverso, subir o Vale da Cabreira é um bom desafio, quem o conhece, sabe do que estou a falar.
Saí muito cedo de casa, a manhã estava gelada e acelerei o passo também para aquecer. O sol já tinha despertado, mas o frio da noite ainda estava visível numa boa camada de geada. Vila Flor ainda dormia.
O percurso estava grosseiramente delineado: seguiria em direcção a Samões por caminhos rurais; desceria depois até Freixiel; seguiria depois pelo vale, ascendendo pela encosta, até atingir Folgares.
O percurso até Samões é conhecido, já o tenho feito muitas vezes de bicicleta. Passa perto da Quinta da Velha e pelo Marco e entra em Samões por detrás da igreja. Desci a rua até à capela de Nossa Senhora do Rosário. Depois, apanhei o caminho em direcção à Ribeira da Redonda, a caminho de Freixiel. As sombras ainda cobriam a encosta e os olmos não deixavam o sol derreter a geada dos lameiros. Não é todos os dias que vejo nascer o dia num lugar assim! O sumagre da beira do caminho apresenta o seu vermelho mais vivo. Os frutos orvalhados das oliveiras, começam a ganhar cor. Em direcção a Carvalhos de Egas segue a Ribeira do Vimeiro onde brilham as cores de algumas caducifólias.
À medida que me aproximava da ribeira, uma preocupação ia aumentando. Neste lugar há várias cortes onde os rebanhos de gado passam a noite. Dada a hora, os rebanhos ainda não tinham saído e iria encontrar os cães pastores. Mesmo assim, não me desviei do caminho, mantendo o sangue frio mesmo com os mastodontes a curta distância. Felizmente tudo correu bem.
Gostei de verificar que algumas videiras ainda mantinham coloridas folhas. Sabia que iria percorrer zonas de muita vinha, mas nunca imaginei que fosse tanta.
O caminho é cheio de ziguezagues, a subir e a descer, entre vinhas e sobreirais. Quando cheguei ao local onde devia passar a Ribeira do Pelão apercebi-me da existência das ruínas de um moinho. Apesar de ter a noção de que não devia perder muito tempo, não consegui passar à frente e fui dar uma espreitadela.
Pouco depois apareceu recortada no céu, com o sol brilhante por cima, a forca de Freixiel. Mais uma vez me desviei do percurso para a visitar e mais uma vez tive que enfrentar os cães dos pastores, agora mais sociáveis do que os que encontrei nas Olgas.
O café que não tomei em Vila Flor, que não tomei em Samões, apetecia-me cada vez mais. Parece que não sou o mesmo, sem um café pela manhã! Segui pelo centro de Freixiel na esperança de encontrar um café aberto o que veio a acontecer, na Rua do Concelho. Depois de uma rápida passagem pelo pelourinho subi ao santuário de Nossa Senhora do Rosário, pela rua com o mesmo nome. Eram praticamente onze horas da manhã.
Se até aqui o percurso era meu conhecido, daqui para a frente ia ter que recorrer mais ao sentido de orientação porque iria percorrer zonas nunca antes por mim Descobertas.
Saí em direcção ao vale da Cabreira partindo do santuário. Aqui fui surpreendido com vinhas e mais vinhas. Este vale é muito bonito para mim e, não tendo a dimensão e a riqueza do Vale da Vilariça, tem atributos que fazem dele o mais agreste e ciclópico vale do concelho.
Desde muito cedo me apercebi que estava a seguir demasiado pela encosta. O caminho que sobe pela Quinta do Pobre até perto do Pé de Cabrito, tem um trajecto mais pelo centro do vale, muito próximo da Ribeira da Cabreira. A paisagem era fantástica, o caminho bom, por isso decidi seguir em frente.
Perto do meio-dia a fome apertou. Como ando sempre precavido, comi uma sandes e não me faltaram algumas uvas rebuscadas para sobremesa. Que delícia de bagos.
Continuei a subir a encosta até que, por volta do meio-dia o caminho onde até carrinhas podem circular, terminou. Terminou num espécie de “oásis” cheio de árvores de fruto de todas as espécies, cuidadas com muito carinho. Seria muito complicado se tivesse que voltar para trás, quase a Freixiel. Investiguei um pouco o terreno. Havia um enorme rochedo que protegia uma espécie de cabana, com uma esteira com palha e um manhuço de feno atado à altura do focinho do melhor meio de transporte nestas encostas. De repente pareceu-me ver um carreirão coberto de folhas de castanheiros que subia pela encosta.
Tentei seguir por ele. Com satisfação verifiquei que seguia em direcção a Folgares. Este caminho estreito, que segui durante mais de dois quilómetros, deve ser centenário! Nalguns lugares as ferraduras dos animais que o percorreram desgastaram o granito mais de 20 centímetros de profundidade! Quantos animais foi necessário passarem por aqui para ficar assim? Durante quantos anos? É completamente impossível por aqui ter circulado qualquer carro, nem mesmo de tracção animal, somente pessoas, cavalos e burros. Sabia da existência destes caminhos. Andei por aqui quando tinha mais ou menos 10 anos, aos figos e às uvas, pois o meu tio Carlos fabricava aqui um destes “terrenos plantados de fragas". Os burros que nos transportavam conheciam melhor os caminhos do que nós!
Fiquei entusiasmado. Que excelentes percursos pedestres seria possível traçar por aqui usando estes caminhos! São os únicos que há, percorridos ao longo de séculos pelos habitantes de Folgares condenados a arrancarem das fragas o próprio pão, porque não há neste lugar espaço para terrenos mais produtivos.
Espero um dia voltar a estes caminhos, quem sabe na primavera, quando a natureza se confunde com as hortas e o homem se funde na paisagem. Aqui é a natureza que molda o homem.
Era quase uma da tarde quando cheguei às primeiras casas de Folgares. Os habitantes são poucos e àquela hora, estariam possivelmente a almoçar. Já não tive tempo para fazer um passeio pela aldeia, antes continuei a caminhada em direcção a Zedes. Um dos pontos mais altos do concelho de Vila Flor é junto ao campo de futebol de Folgares (mais de 800 metros de altitude). A paisagem que se avista é magnífica! Aqui, é possível encontrar ao longo da linha de divide a freguesia de Zedes da freguesia de Freixiel, muitas marcações com a cruz da ordem de malta, mas delas falarei numa outra oportunidade.
Deixo também o percurso feito. Também pode ser feito de bicicleta BTT podendo haver alguma dificuldade nos últimos dois quilómetros.

1 comentário:

Anónimo disse...

Foi com alguma saudade que li o percurso por Freixiel, até Folgares. São-me muito familiares a Ribeira do Pelão, a Forca, a Ribeira da Redonda, a Quinta do Pobre, o Pé de Cabrito e a Ribeira da Cabreira. Tudo faz parte das minhas recordações de criança, nascida e criada em Freixiel...
Também as imagens completaram o maravilhoso trabalho e o passeio, a ponto de parecer que eu ia, também, a seguir esses caminhos...
Obrigada, Aníbal, por estas coisas lindas que nos conta e nos mostra, chegando, quase,a fazer-me cair uma lágrima de saudade!!!...
Cumprimentos
Anita