28 dezembro 2010

27 dezembro 2010

Cantos da Montanha ( VI -1 )


Não sei se só existe na minha lembrança
o monte de Faro, nula juventude renovada
com simulacros de árvore de cartolina verde.
De qualquer modo é na curvatura da distância
que está pousado em seus premonitórios fulgores
a acender os castiçais mortiços da manhã.

Que este breve instante
de evocação de magnas raízes
me traga as asas dos milhafres refractando o sol
de setembros flagrantes de mosto.
E de novo vá buscar pequenos pinheiros
de sagrar natais perdidos nos olhos
cegos de tanto se fecharem
no contemplar da sua inexistência.

Poema do mais recente livro do Dr. João de Sá, Cantos da Montanha (Canto VI, 1).
Fotografia: montes entre Vilas Boas e Vilarinho das Azenhas.

26 dezembro 2010

Vila Flor à noite 1/2



Fotografias em Vila Flor no dia 24 de Dezembro de 2010.

Cogumelos - Moncoso (Suillus granulatus)

O tempo foi passando e não cheguei a terminar a série de postagens que estava a fazer sobre os principais cogumelos espontâneos, do concelho. Há mais dois de que tinha pensado falar, e hoje vou apresentar mais um: o moncoso. Embora a sua identificação no terreno seja relativamente simples, também pela película escorregadia que lhe conferem este tão pouco dignificante nome, é aquele em que tenho mais dificuldade em dizer com precisão o nome científico.É sem dúvida um boleto, pertence ao género suillus, mas na espécie não tenho a certeza de que se trata do Suillus granulatus.
Nalguns anos é muito frequente encontrando-se muitas vezes em grupos bastante numerosos, não sendo difícil encher uma cesta deles. O seu aspecto viscoso não é muito atractivo e as coisas pioram quando depois de se apanharem alguns a pele dos dedos que com ele contactaram fica negra. Contudo, depois de bem limpos e cozinhados, são dos meus preferidos.
O himenóforo (local onde se encontram os esporos)situado por baixo do guarda-chuva ou campânula e é constituído por tubos ao contrário das sanchas que têm lâminas. Quer a película que cobre o guarda-chuva quer esta camada de tubos por baixo devem ser retirados, ficando os cogumelos com um bonito aspecto de cor amarelo-pálida.

Características: o chapéu, inicialmente hemisférico e mais tarde convexo e baixo, tem 4 a 10 cm de diâmetro e uma cor castanha-amarelada, avermelhada ou ainda vermelha-acastanhada. A cutícula é pegajosa quando seca e fortemente gordurosa quando cl1ove, sendo a carne branca a amarelada. Os tubos ligeiramente decorrentes começam por ter um tom amarelo-vivo, passando mais tarde a acre ou amarelo-acastanhado; os poros angulares, muito pequenos quando jovens, são da mesma cor dos tubos. Os esporos fusiformes têm 7 a 10 x 3 a 4 µm de tamanho; o pó dos esporos é acastanhado a oliva. O pé cilíndrico tem 3 a 7 cm de comprimento e 1 a 1,5 cm de espessura, apresentando cor branca a amarelada, tomando-se muitas vezes acastanhada na idade adulta. Os pés dos exemplares mais jovens exsudam umas gotas leitosas que muitas vezes adquirem uma tonalidade escura com a queda do pó dos esporas conferindo, de-
pois de secas, a granulação castanha típica do pé.
Habitat: Esta espécie frequente nalguns locais nasce principalmente sob pinheiros bravos; os corpos frutíferos surgem entre Junho e Novembro.
Valor: Comestível e muito saboroso.
Fonte: adaptado do Guia dos Cogumelos (Dinalivro)

24 dezembro 2010

22 dezembro 2010

Frio

Já há alguns dias que não dou "sinais de vida" no blogue, mas, felizmente, a minha actividade À Descoberta de Vila Flor, não terminou, nem sequer baixou. Simplesmente conjugaram-se um conjunto de factores que fizeram com que a minha actividade de Bloguer tenha diminuído.
Hoje, volto, e com palavras do mesmo autor que publiquei na última postagem. Dia 22 de Dezembro é também o aniversário do nascimento do vilaflorense José do Nascimento Fonseca (22-12-1940). Juntamente com os votos de um Bom Natal, lanço também o desafio para que seja feita uma compilação, e publicação em livro, das muitas contribuições que deixou espalhados por vários jornais da região. Seria uma grande homenagem.


Rangem portas desengonçadas nos portais da vida.
Um cão ladra. E foge com medo de ser homem.
Na esquina, ela vendia laranjas, duas a croa, é para quem quere, leve que são boas.
A chuva cai. Chuva de molhar tolos.
- Que chova hoje tudo para ser claro o nevoeiro que amanhã virá.
- Quem és tu? Foge de mim, ser abandonado. Quiseste-me para prazer, odeio-te, vai-te embora, deixa a tua sombra.
Do relógio na sala rolam horas empurradas por tectos abertos. Uma manta esburacada cobre aquela criança que segura um pano de alça atravessada.
A terra está quente. Os lençóis frios.
A mulher que vendia laranjas já morreu.
Poque não havia quem as quisesse e duas a croa.
Ela partiu.
No testamento, uma lágrima de sal até ao canto da boca de pedra. Na sepultura, o epitáfio da sua vida no murmúrio da voz eterna nos remorsos dos culpados - duas a croa, é para quem quere, leve que são boas.
Publicado no jornal Enié a 3 de Setembro de 1975.

08 dezembro 2010

Conto - Aninhas

Hoje, dia de Nossa Senhora da Conceição, dia santo, foi uma boa oportunidade de sair à Descoberta de mais algum recanto do concelho. Mas, tal não aconteceu. Os dias têm estado cinzentos, frios e chuvosos. Juntamente com as luzes que piscam nas ruas e nas janelas das casas, vem a saudade do calor da lareira, recordações longínquas da matança do porco, das brincadeiras de criança, de histórias contadas (e nunca escritas) de mouras encantadas, amores que partiam para a guerra e ... príncipes e princesas.
Hoje também é um dia especial para uma assídua visitante do Blogue. Por isso decidi brindá-la com um conto. Não é um conto qualquer, mas sim um conto que, tenho a certeza, representará muito. Na impossibilidade de lhe poder oferecer flores, brindo-a também com alguma das pequenas maravilhas que captei, em momentos de primavera, tal como o conto, em volta do local onde vivo, algumas na borda dos passeios.
É um pouco de Primavera, antes que o Inverno chegue.
Em tempos remotos, numa casa modesta e afastada do grande rumor da aldeia próxima, vivia uma esbelta rapariga com sua mãe viúva.
Era bela. Fascinava. Dezoito anos. Tranças pendentes sobre os ombros, de um cabelo negro e ondulado. Face morena, mas mimosa. Olhos castanhos, bem feitos, sobrepostos por cerradas sobrancelhas. Sedutores contornos do corpo, magro e bastante alto.
Frequentes vezes foi assaltada pelo amor de um conde, além de outros amores ardentes que lhe caldeavam o coração. No entanto, o apetite matrimonial era fraco, sendo bem mais intenso o desejo de sua Mãe, empenhada, dia a dia, em dá-la ao conde, que amorosamente a procurava. Apesar de este se prender fortemente a ela, Aninhas continuava fria, em assunto de semelhante espécie. Mas «água mole em pedra dura, tanto dá até que a fura»...
O Conde via, passados meses poderem transformar-se em reais os seus sonhos dourados. Uma fresca manhã ao dealbar da aurora, aparece a bater à porta do casebre. Pedia esmola, feito mendigo. Todo roto. Grossa bengala na mão esquerda. Olhos fechados, a fingir-se cego. Tronco dobrado, a fazer-se velho. Cabeça coberta por enorme chapéu cinzento, todo esburacado, com um remendo branco pregado a linhas pretas numa das abas.
Bate e começa a pedir, cantando em voz suave. Aninhas acorda, estremunhada, e sente-se atraída por aquele canto. Escuta. Parece conhecer a voz. A Mãe, sabia de tudo, pois fora ela que combinara com o conde vir ali, daquela forma.
A chama crepitante do amor vai-se acendendo. E, tocada de repente por vagos pensamentos diz para a mãe:
- Levante-se, minha Mãe,
Desse leve dormir,
Se quer ouvir o cego,
A cantar e a pedir.
Replica a Mãe, em resposta:
- Se canta e pede,
Dá-lhe pão e vinho,
E o ttriste cego
Lá vai a caminho.
Diz o falso mendigo, em tom de pedinte:
- Não quero seu pão,
Nem quero seu vinho.
Só quero que a Aninhas
Me ensine o caminho.
O Sol, imenso disco refulgente, surge, pouco a pouco, por entre a vasta cordilheira de montes aguçados. A capoeira começa de pôr-se alvoroçada. A aurora vai desabrochando lentamente, prometendo um sossegado dia azul de Maio.
A Mãe volta a dialogar com a filha, apontando o que havia de fazer:
- Anda, anda, Aninhas,
Veste a saia branca,
Carrega a roca de linho.
Ensina o caminho
Ao triste ceguinho...
A filha levanta-se. Cumpre as ordens maternas. E, beijada a mãe, parte, acompanhando o pobre. Parecia uma tenra açucena encostada a um tronco velho e podre.
Os melros assobiavam, deliciosamente. A rola começava a gemer nos ninhos. O rouxinol entoava melodias encantadoras. A água cristalina ciciava , na verde relva que cobria os campos. Bandos de pombas entrecortavam o espaço. Andorinhas deslizavam, velozes, no céu. Tudo era manso e belo, naquela madrugada.
Calcorreados longos caminhos, os pés quase esfalfados, Aninhas acaba por dizer.
- Aacabou-se-me a roca,
Esfiou-se-me o linho.
Adiante, ó cego,
Lá vai o caminho.

- Anda, anda, Aninhas,
Mais um pouquinho.
Sou curto da vista,
Não vejo o caminho.

Vislumbra-se o lugar onde são esperados pela família do conde e fidalguia amiga. Pelo que vê, ao longe, julgando tratar-se dalguma festa, canta a donzela:
Valha-me Deus
Ea Virgem Maria.
Quanta gente passa
Para a romaria.

- Anda, anda, Aninhas,
Mete-te debaixo desta capinha.
Quanta gente vai
Para a romaria!
Ela, pensando um momento, julga ter de unir-se, irremediavelmente ao companheiro. Então principia de lamentar os tempos de outrora. Podia ter casado, feliz, com um conde e, agora, vê-se junto de um velho, pobre, sem coisa alguma:
- De duques e condes
Eu era pretendida.
Agora dum triste cego
Me vejo rendida.
Chegou o momento asado do conde se revelar. Abraça a jovem pesarosa e canta:
Eu nunca fui cego
Nem Deus tal permita.
Sou um destes condes
Que lucrar-te queria.
Perante os olhares perscrutadores de Aninhas, atira com os farrapos para longe. Abre os olhos e sorri para ela, que o reconhece.
Julgam-se felizes. A família recebe-os carinhosamente. A nobreza saúda-os. O cortejo principia a desfilar. Um cavalo novo, sela e freios dourados, transporta-os direcção à morada.
O conde louco de amor, sente-se feliz como nunca. Uma alegria imensa invade-lhe o espírito. Já possui a riqueza tão suspirada.
Aninhas, coração mais sensível vendo-se deste modo presa para sempre àquele que lhe conquistou o coração, profere o seu adeus. Sentimentos sinceros. Saudades.
- Adeus, minhas casas,
Adeus pedra de montar.
Enquanto o mundo for mundo,
Pedra me há-de alembrar.

Adeus, minhas casas,
Meus lindos arredores.
Adeus, meus irmãos,
Meus belos amores...

Adeus, minhas casas,
Adeus aias minhas.
Adeus, minha mãe,
Que tão mal me querias.

Adeus, minhas casas,
Minhas lindas janelas.
Adeus, minha Mãe,
Que tão falsa me eras...
O tempo passa e Aninhas recolhe à doçura abençoada do seu lar. Naquele instante, uma campainha retiniu nove badaladas, dentro do castelo.
O conde sorriu para ela, tomando-a nos braços.

Conto recolhido no Nabo, publicado por J. N. Fonseca no jornal Mensageiro de Bragança, a 2 de Junho de 1961.

06 dezembro 2010

Chuva

Cai chuva lentamente
Na rua
E sobre os campos...

Dentro de mim
Também cai chuva
De dó de tanta gente
Que vejo na rua,
Desnudada
De luz. Já sem encantos.

Quem dera cobrir
Tanta gente que anda assim.
Fazer bem
E fazer rir
Crianças sem terem mãe.
Iluminar
Tantas que dormitam
No fourel do ninho
Inábeis  para voar...

Cai chuva lentamente,
Miudinha e compassada
Na rua
E sobre a gente
Que caminha na estrada
Sem saber o seu caminho...

J. N. Fonseca
Outono/61
Poema publicado no jornal Notícias de Mirandela, a 19/11/1961.