16 fevereiro 2012

Por caminhos pouco definidos

Depois de mais de ano em "Peregrinações" ficaram para o fim aquelas não as mais distantes, mas aquelas em que o percurso a fazer era mais difícil de planear. Não é muito evidente, mas a zona mais difícil do concelho para percorrer a pé (e em BTT) fica na freguesia de Vale Frechoso. Isso deve-se ao facto de haver extensas áreas vedadas com arame farpado. Para piorar as coisas, os caminhos terminam abruptamente, ou então de encontro ao arame farpado, sendo difícil planear um percurso a fazer. Foi devido a este facto que Assares e Santa Comba da Vilariça foram ficando adiadas na rota das caminhadas.
Mesmo assim, no dia 26 de novembro saí de Vila Flor em com destino a Santa Comba. O percurso estava minimamente planeado, uma vez que não uso qualquer dispositivo de GPS que me durante a caminhada. O estudo é feito no computador, mas nem sequer uso uma folha impressa, confiando na minha memória no meu sentido de orientação.
O percurso incluía uma passagem por Roios, seguir até à Quinta do Prado, passar a montante de Assares e, com sorte, atingir Santa Comba da Vilariça. Vistas as coisas assim, até parece fácil, visto que é quase como traçar uma linha reta entre Vila Flor e Santa Comba.
O dia estava bonito, com o céu limpo e azul, a convidar à fotografia. Atravessar a serra a caminho de Roios é sempre um momento fascinante. No meio do silêncio as formas ganham mistério e as cores vida. As cores outonais ainda estavam bastante presentes e os medronhos pendiam maduros dos arbustos. Já na aldeia de Roios eram os crisântemos espalhados por vários espaços da aldeia que emprestaram beleza à paisagem. Nos campos apanhava-se a azeitona. Grupos de azeitoneiros trabalhavam afincadamente na apanha dos parcos frutos que as oliveiras deram. Mesmo assim, não regateavam um sorriso para a câmara, porque o À Descoberta já tem fama.
E foi quando percorria os caminhos de Roios que chegou o nevoeiro. A principio achei piada, aproveitei-o par dar um ar misterioso às fotografias, mas não demorei a ver os seus inconvenientes. Perdi-me no meio do nada e rapidamente fiquei encharcado. Caminhar no meio da vegetação toda molhada é muito desagradável. Já por vezes "saboreei" a agressividade das estevas nesta zona do concelho. Pretendia atravessar a ribeira de Laça mas a nas poucas vezes que por aí passei sempre tive dificuldade e agora, no meio do nevoeiro, ainda pior. Procurei não me aventurar pelas zonas mais escarpadas, que por ali abundam.
Quase sem dar conta esbarrei com o IC5!  Na altura ainda não estava aberta ao trânsito, mas já tinha rede, o que me impediu de a atravessar. A solução foi caminhar ao longo dela até encontrar uma passagem. Lembrei-me das anedotas que alguns contam sobre as passagens sobre IP e autoestradas para lobos e outros animais selvagens. Só quem não conhece o meio natural é que se pode rir com uma coisa dessas. Estas estradas são um verdadeiro problema para a deslocação dos animais, embora aqui, região montanhosa, tenha necessariamente de haver mais pontes sobre os cursos de água facilitando, a passagem dos animais por debaixo delas. Foi o que eu fiz. Senti-me um animal selvagem.
Ao atingir a ribeira da Laça a o IC5 passa a muitos metros de altitude, suportado em enormes pilares de cimento! Consegui finalmente localizar-me. Estava muito mais a jusante da ribeira do que o que pretendia, não me restando outra alternativa senão iniciar de novo a subida em direção ao Alto da Fenanqueira e à ribeira das Quintas. Há aqui uma pequena albufeira que visitei na já longínqua data - maio de 2007. Quanto a encontrei senti-me de novo orientado.
O nevoeiro ia e vinha ora cobrindo o alto dos montes, ora espalhando-se por áreas mais extensas e limitando a visibilidade. Segui diretamente para a Quinta do Prado. Com o objetivo de passar o mais longe possível das casas da quinta, desviei-me o mais cedo que pude para sul. Este espaço é algo de extraordinário! Na última vez que por aqui passei esta quinta estava cheia de eucaliptos e agora deparei com uma área gigantesca cheia de jovens oliveiras. A surpresa foi grande porque quando vista à distância fiquei com a impressão que estava a ser repovoada de eucaliptos. São mais de 300 ha de olival, cerca de 80 mil(!) oliveiras que produzem um azeite biológico de elevada qualidade, a maior parte do qual vendido para Itália. A marca comercializada é Acushla. Claro que estas coisas só vim a sabe-las mais tarde!
Pretendia atingir o marco geodésico do Fiolho, a mais de 500 m de altitude próximo de Assares. Perdido de novo do meio do nevoeiro e sem um caminho definido para seguir, calculo que andei às voltas quase sem sair do sítio. Encontrei o declive para o vale da Vilariça e decidi segui-lo. Mais tarde ou mais cedo encontraria a estrada N-102 (E802), algures entre Assares e Santa Comba. As contas saíram-me furadas. Não encontrei a estrada esperada, mas sim a novíssima IP2 que está situada a uma cota superior à da que esperava encontrar.
Não me foi difícil encontrar uma passagem inferior e estava no coração do vale. Do meio do nevoeiro apareceu uma placa que dizia - Ponto de Encontro - Lodões! Tratava-se de uma placa das obras nas estradas IP2 e C5, mas serviu perfeitamente para perceber que estava em Lodões, muito distante do local onde pensava estar e para onde pretendia ir. As duas da tarde já há muito que tinham acontecido e pouco havia a fazer. Dirigi-me para o centro da aldeia e telefonei para casa para me irem buscar.
Enquanto esperava, refleti na minha aventura com final tão improvável. Não consegui atingir o meu objetivo, mas sentia-me muito satisfeito com o percurso que tinha feito. Houve momentos de pura magia, com paisagens dignas de serem fotografadas e eu até estava munido de um equipamento razoável (coisa pouca habitual nas "Peregrinações"). Estava absorto nos meus pensamento enquanto saboreava uma apetecida maçã quando parou uma carrinha. Tratava-se de um senhor de Assares que ia para Vila Flor e ofereceu-me boleia, também coisa pouco habitual nas minhas andanças. Aproveitei.
Não considerei o tempo desperdiçado. Além das fotografias, a experiência acumulada veio a ser útil nas caminhadas seguintes, que tiveram como destino Assares, Santa Comba da Vilariça e Lodões.

1 comentário:

Esmeralda disse...

Olá
...GOSTEI!!! MESMO!!!! E para a primeira foto: " Por caminhos poucos definidos, no meio do silêncio as formas ganham mistério e as cores vida, em momentos de pura magia". Fiz esta leitura... Parabéns!!!
Abraço forte!
Esmeralda