22 dezembro 2013

Êxodo

- Sabes a última? O Antonho Botija, a esta hora, já lá está! Mandou-o ir o João da Fonte.
- Isso é que é vida, hein?
- Não fica cá ninguém. Espanha, Inglamanha, França, Canadá.
A mulher chorou e os filhos desconfiaram.
Disse que ia à feira dos três, a Mirandela. Mas não voltou.
Na esquina, um tipo manco, bigode de agulha, esperou-lhe os dez contos.
- Garantido?
- Garantidinho. Não se esqueça do homem com lenço vermelho no pulso!
Faça o que lhe disse, quando avistar o camião da carne!
Lá longe, o Antonho há-de aprender a fazer o caldo e duas batatas com borrego. Dormir, por favor, de meias com o Augusto, na mesma cama de pau, armada rente ao fogão.
As horas extraordinárias engordam-lhe os cheques dilatados os câmbios.
A mulher parte para ele. Os filhos andam a estuda e pouco dão, tirante a Alice que tem mais, caco.
- Mas estudar para quê, mulher? Não vês que ser-se funcionária para ganhar dois réis de mel coado não compensa?
- Não é bem assim. A posição é oitra.
- Não, não; não vou fintado em lonas.
No seu pais, na lavoura - palavra que não cresceu.
Ali, numa fábrica de sobressalentes para veículos.
- Um carro com F grande?
- Traz um espadinha, o tipo!
- Vês, há dos anos que foi e olha o que tem!
- Bem haja ele, que bem poupado é.
- Só lá boto mais cinco anos de contrata! Quero vir morrer às palhas em que me pariu a minha velha, Deus lhe perdoe!
Oxalá que sim.
Quando tal for, o carro aos franceses.
E compra um arado!

Artigo de José Nascimento Fonseca, nascido no Nabo em 22-12-1940.
Publicado no jornal Ènié, a 22-10-1975


Do mesmo autor:

17 dezembro 2013

The Lost Village (Gavião)

A segunda caminhada da temporada aconteceu em setembro e e teve como destino a abandonada aldeia do Gavião no termo de Seixo de Manhoses.
Não seguiu o norma, tendo como destino um marco geodésico, por o mais próximo do Gavião é o vértice geodésico da Cheira, por mim visitado pela última vez em julho de 2012. O objetivo foi mesmo caminhar e aproveitar a viagem para procurar uma caixinha (Geocache) escondida algures entre as ruínas das casas.
 O tempo estava espetacular, com um sol brilhante e nos campos ainda abundavam os frutos, em especial as uvas que se dão muito bem nas encostas do ribeiro grande. è mesmo uma doas zonas onde se produzem alguns dos melhores vinhos do concelho.
A primeira paragem do percurso aconteceu na Fonte do Olmo, junto ao Estádio Municipal. O espaço não estava propriamente apresentável, tal como o não está agora, porque ainda lá estive há poucos dias. Estes locais com algum interesse para serem visitados deveriam ser mais cuidados. É assim que se constrói uma imagem e se podem atrair pessoas.
No percurso ao lugar do Arco já avistámos muitas videiras carregadas de uvas. Este ano não foi um mau ano, tal como pude comprovar mais tarde participando na vindima na quinta Valtorinho.
A pequena aldeia do Arco parecia adormecida. Estendais de figos secavam ao sol. Aproveitámos para nos refrescar-mos com a água do fontanário da aldeia. Apesar de ter uma placa a indicar que é Imprópria para consumo, alguns habitantes insistem em bebe-la e a nós também não nos fez mal. Pareceu-me bem saborosa e fresquinha.
 Nas hortas do fundo da aldeia ainda havia abóboras, nada mais.
O percurso do Arco ao Gavião é bastante interessante, com uma vista excelente para o Nabo e Vale da Vilariça e com vegetação rica em medronheiros e outras espécies vegetais que não são muito frequentes. Há mais do que uma alternativa de percurso; arriscarei a dizer que há pelo menos três, mais ou menos com o mesmo grau de dificuldade e a chegarem todas ao Gavião. Como as ruínas se veem ao longe, recortadas no horizonte, não há perigo de engano no caminho.
A sensação quando se chega ao Gavião é a de se estar numa aldeia fantasma, num cenário de um filme. A tristeza das paredes caídas é facilmente ultrapassada quando se olha a paisagem. As encostas estão, em grande parte, aproveitadas para a agricultura. Crescem aqui com grade facilidade as oliveiras, as videiras e as amendoeiras. E produzem também com abundância e qualidade. Os campos não sofreram o mesmo destino da aldeia e apresentam-se bastante cuidados. Direi até que com carinho, que se manifesta no cuidado na manutenção dos muros, na orientação e poda das árvores, na limpeza das silvas ou na abertura de novos e melhores acessos.
A procura da dita caixa, não muito maior do que um maço de tabaco, exige a utilização de um aparelho com GPS. Com alguma insistência e mais alguma atenção às pistas, ela acabou por aparecer, onde realmente deveríamos ter começado a procurar.
Ainda tentámos explorar alguns recantos, por entre as ruínas, mas as silvas vão tomando conta do espaço, servindo de consolo as amoras negras que ostentavam de forma quase provocadora.
Procurámos um bom miradouro para o vale. A barragem do Nabo/Ribeiro Grande é bem visível perto de Godeiros, onde está a famosa Pala do Conde.
Começámos o percurso de regresso. Dado o adiantado da hora não foi possível regressar a Vila Flor a pé, um carro de apoio foi buscar-nos à aldeia de Seixo de Manhoses.
O percurso entre o Gavião e o Seixo faz-se muito bem a pé, pode até ser feito de carro ligeiro, com algum cuidado. Há poucos anos falou-se que foi arranjado para poderem ser gravadas algumas cenas da telenovela "A Outra" no Gavião, mas a produção desistiu. Tinha sido um momento único para a Lost Village e muito agradaria às pessoas que ainda se recordam do tempo em que ali viveram.
O percurso feito a pé, com passagem pela Fonte do Olmo, Arco, Gavião e final em Seixo de Manhoses, perfaz 7,5 km, sempre por caminhos (e um pouco por estrada). É um bonito passeio que pode continuar pela barragem do Peneireiro e regresso à Vila, por isso não admira que possa ser repetido no futuro.

03 dezembro 2013

Vila Flor - Cabeço

Quase um mês sem escrever neste blogue pode dar a ideia que emigrei. Ainda não aconteceu, mas não significa que não tenha pensado nisso. Entretanto, e como a terra não para, não podemos nós ficar parados, sob pena de cairmos na monotonia dos dias iguais e cinzentos.
As caminhadas têm-se realizado, a menor ritmo, mas sempre entusiasmantes e cheias de cores diferentes consoante a estação do ano.
 A 15 de setembro, ainda com os dias de calor bem presentes, e talvez para ganhar coragem para mais um ano de trabalho, a caminhada foi ao Santuário de Nossa Senhora da Assunção, em Vilas Boas.
O percurso foi o mesmo já tantas vezes seguido. A estrada pode ser o caminho mais rápido e reto, para quem se dirige ao Santuário, mas eu gosto de passar pela aldeia e depois subir o escadório, mais de 400 escadas, até chegar ao cume do cabeço.
O caminho que seguimos foi: Vila Flor - Barracão - Cooperativa de Olivicultores - Pedreira de Freixiel - Quinta do Reboredo - Vilas Boas - Santuário. Este percurso soma perto de 9 km.
No santuário celebrava-se Santa Eufêmia, com bastantes pessoas à volta da capela, na eucaristia ou mesmo a comerem à sombra das muitas árvores existentes.
De regresso a casa ainda pudemos ver uma área ardida junto ao santuário, onde ocorreu um início de incêndio no dia anterior.


07 novembro 2013

Em louvor da Terra e da Gente Transmontanas

 Se o poeta João de Sá fosse vivo completaria hoje 85 anos. Apenas o conheci nos últimos anos de vida, depois de conhecer a sua escrita, que me fascinou e me fez gostar de forma quase incompreensível de Vila Flor.
O poeta vagueia algures entre o Facho e o Frade acompanhando com o olhar as pombas da igreja e suspirando pelo aroma da glicínia de sua casa.
Publico hoje um poema de 1962, poema com que João de Sá alcançou o 1.º Prémio nos Jogos Florais Transmontanos do Clube de Vila Real.
Esta ligação à terra, à serra, aos horizontes largos que a vista alcança, acompanharam-no toda a vida. Nos seus últimos poemas, 50 anos mais tarde, a serra, continua presente, com a mesma força, com tonalidades várias mas sempre com sentimentos intensos.
E, no dia de hoje, talvez ganhe coragem para subir à serra. É apaziguador admirar as cores das videiras pintadas de outono e é uma justa homenagem declamar baixinho o poema cravado na rocha no alto da serra.

Granito e altura!
Firmeza e ânsia de se ir mais além,
Meta que se desloca e não se alcança
E mais alinda o gesto da procura...

Vento em correria,
Parecendo ultrapassar o céu e a terra
E o gémeo de Van Gogh
Vertendo novas cores por sobre a serra.

Se uma canção perturba
A solidão do monte, de tão pura
E sentida ergue-se tanto,
Que o azul transborda no cristal da taça
E tomba sobre as notas desse canto.

Manhãs de neve, em que a paisagem
É um bailado fantástico de cisnes!
Silêncios brancos sobre velha fonte.
Dádiva do mistério ao nosso sonho
Perdido na distância do horizonte...

Tudo se passa muito além de nós
Mas tudo é simples, puro, sem tamanho:
Um perfume indivisível, uma flor,
Um vôo de ave, a fimbria dum rebanho,
Uma canção, dorida, de pastor...

Sentimos ânsias de abrir com jeito
O coração
E introduzir nele uma semente.
Duma matéria embora bem diferente
Casa-se com a terra o nosso peito!

Olhos volvidos para além do mar...
Lábios de encantamento primitivo...
O ar salgado não os fez gretar,
Sabem a frutos e a grãos de trigo.

Inatingível, no azul da altura,
Quanto mais perto dela mais distantes...
O sagrado padece da lonjura.
Por isso temos que nos ausentar
Se quisermos que ela nos pertença
E nos caiba, inteira, no olhar!

A tua gente tem a alma de granito!
Rasga as mãos, a sorrir;
Sucumbe, sem um grito:
Lábios que tem sede e chamam pelo sol!

Olhos de abismo
- Duas aves, pousadas sobre a alma
A sondar-lhe as lonjuras...
Olhos de espaço, onde se projecta
O mistério sagrado das alturas.

Perfis morenos
Que o escopro do vento alevantou
Num recanto do espaço.
E as raízes vão beber mais fundo
A seiva que lhes há-de erguer o braço!

Homem de ontem. Homem de amanhã.
Perto ou longe, sempre o mesmo homem.
Uma fé viva onde ele estiver presente,
Pois ele é como que um prolongamento
Da vastidão da serra-mãe ausente!

Homem da serra, afeito a ver subir
As águias e os milhafres
Que depois se diluem na lonjura.
Homem do monte - símbolo da terra,
Mas ânsia estranha de maior altura!

Homem do longe!
Há um rito de amor
No gesto com que lanças sobre a terra
Uma simples semente.
E o milagre é sempre uma flor,
Um diadema a ornamentar-lhe o ventre.

Volúpia de criar!
Fechar as mão e abri-las, incendidas,
Num gesto natural,
Sobre a palpitação de novas vidas.

Conceber, é dar forma a alguma coisa.
E toda a criação exige esforço
E todo o esforço é dor!
Mas, sem o sofrimento a retalhar o peito,
O que seria o amor?

Não basta desbravar a terra,
É preciso regá-la com suor,
Encaminhar os caules que tombaram,
Sentir bater o coração da flor...

Em cada pedra há um epitáfio e um berço.
Só tem valor a luta em que não há quebranto.
A serra continua a desventrar-se em pão,
Muda de espanto!

É o olhar que exprime
Os mais secretos sentimentos da alma:
As nódoas recônditas do mal,
As luminosas pétalas do bem.
Trás-os-Montes - olhar de Portugal!

TRANSMONTANO (João de Sá)

19 outubro 2013

Vila Flor, concelho - no Facebook

A Página Vila Flor, concelho atingiu no dia 29de Setembro 1000 gostos! Criada a 26 de Maio de 2012 com o intuito de chamar as pessoas a visitarem o Blogue À Descoberta de Vila Flor, que nasceu em 2006, foi-se assumindo como uma plataforma alternativa de promoção do concelho, como montra, como centro de distribuição de notícias e local de encontro.
A plataforma Facebook tem as suas vantagens, como a facilidade de utilização e democratização e os seus defeitos, como a rapidez com que a informação fica esquecida ou a falta de respeito pelos direitos de autor, mas leva a informação onde outras plataformas não chegavam e em segundos.
Aos poucos a Página foi assumindo "personalidade" própria, autónoma do Blogue, no entanto, como criador e administrador dos dois, não os consigo ver separados. O Blogue é a base, o repositório das imagens e do texto, um baú onde se guardam "tesouros" descobertos por todo o concelho, segredos e emoções sentidas a desvendar esses segredos. A página no Facebook são pinceladas rápidas, flashes de beleza e algumas notícias tristes. O Blogue é um caminho pessoal, na página são publicadas contribuições de toda a gente, principalmente fotografias, que podem ser comentadas e partilhadas contribuindo, em rede, para a divulgação do concelho.
Os GOSTOS não são só bons para o ego de quem administra a página são também um indicador de que a informação chega mais longe, tornando-se mais eficiente e uma melhor montra. As fotografias são organizadas em Álbuns, tendo por base as diferentes freguesias e respetivas anexas. Desta forma é possível encontrá-las facilmente e divulgá-las repetidas vezes.
Agradeço a todos os que vistam a página e partilham os seus conteúdos. Está aberta à contribuição de toda a gente, desde que as contribuições se destinem a divulgar o concelho, as atividades que aqui têm lugar, publicitar serviços ou produtos que aqui são produzidos.
Vamos continuar a encontrar-nos todos os dias.

Endereço da página no Facebook
https://www.facebook.com/vilaflor.pt
Nota: Não é necessário ter uma conta no Facebook para ver a página.

18 outubro 2013

Lombo Alto - Nabo

Tenho andado arredado das longas caminhadas pelo concelho. Tanto que me deu saudades e recordei a última "grande" viagem no longínquo mês de junho à aldeia do Nabo. O objetivo foi visitar mais um marco geodésico, integrado nos passeios "Pontos Altos", desenvolvidos ao longo dos anos de 2012 e 2013.
 De todas os pontos já visitados este foi o único que o foi pela primeira vez, por isso teve um significado especial, porque se tratou de percorrer algum terreno do concelho pela primeira vez. Sabia da existência do marco geodésico por mapas, mas nunca o tinha visto. Quando parei no Nabo para me informar do melhor caminho a seguir, as pessoas que encontrei desconheciam a a existência, mas como se trata de uma área cultivada, com vinha, amendoeiras e oliveiras, foi relativamente fácil encontrá-lo.
O percurso foi feito de bicicleta, com saída de Vila Flor; passagem pela fonte do Olmo; passando pela Portela e pelo Cabeço do Cavalo. Desconheço a razão do lugar ter este nome, sei apenas que é um dos melhores miradouros para o Nabo. O declive é tão acentuado que é mesmo perigoso descer na bicicleta, até porque a que eu uso não é grande máquina e os travões não oferecem muita confiança. Não posso é negar que. mesmo usando poucas vezes as duas rodas, sinto uma grande emoção sempre que isso acontece. É mesmo um prazer (principalmente nas descidas).
Entrei no Nabo pela rua da Mãe de Água. O movimento na aldeia era pouco e só na Nossa Senhora do Carrasco encontrei alguém com quem falar. Ultimavam-se alguns arranjos para a inauguração do largo, depois de uma profunda remodelação. Confesso que está muito airoso e bonito, mas não pude deixar de fazer alguns reparos por terem dizimado a roseira de rosas vermelhas do cabido e alguns pequenos canteiros. Estou curioso por voltar lá, para verificar como ficou depois das obras terminadas.
Uma das pessoas que encontrei conhecia o marco geodésico. Deu-me alguma orientação e lá parti eu em direção à capela de Santa Cruz, já minha conhecida, apara depois atingir  o marco geodésico.
Há muitos caminhos, talvez demasiados, e a falta de pontos de referência causa alguma desorientação. O cansaço também já se fazia notar. apesar do verão ainda estar no início, na Vilariça os caminhos são muito poeirentos e o calor muito intenso.
 Por fim descobri o  marco geodésico. Está no vale, por isso não tem a imponência nem os horizontes largos de outros já visitados, mas a paisagem não deixa de ser admirável. Deve ser o que está situado a menor altitude em todo o concelho, mas perece-me que também é o que está mais preservado.
Tirei algumas fotografias e  preparei-me para voltar a casa. Apesar de estar planeado fazê-lo por estrada, sei como custa fazer aquele percurso. O declive não é muito acentuado, mas há muitas curvas e contracurvas e Vila Flor parece estar sempre muito distante! As reservas de água estavam quase esgotadas e foi penoso voltar a Vila Flor. Foi necessário ir buscar forças onde elas já não existiam, mas não foi a primeira vez, conheço bem a sensação.
Foram mais de 20 km por terrenos com grande declive, que proporcionaram momentos de muita emoção, com paisagens belíssimas que tentei registar em fotografia.

Está prestes a terminar a volta por todos os marcos geodésicos do concelho. Pelas minhas contas falta um em Assares e pretendo voltar ao Faro, em Vilarinho das Azenhas, não sei se haverá mais algum. No final publicarei uma lista com todos os marcos geodésicos visitados.

GPSies - Lombo Alto - Nabo

01 outubro 2013

No Jardim da Saudade (02)

"No Outono, nem toda a Natureza dorme. Enquanto campos se acalentam em sonhos de mistério, nos canteiros dos jardins velam crisântemos em plena exuberância, garbosos e emproados na sua inclinação sobre a haste! São manchas multicolores que nos maravilham o olhar e os lábios se os beijarmos. Mas ai da ilusão! Até os crisântemos são tristes, porque vão bem a acompanhar finados!
A florista da esquina tem-nos aos braçados. Os seus ramos são poemas melodiosos, em cada corola urna estância, em cada petalazinha um verso cândido. Poema... elegíaco! Elegias de saudade, que vão levar gemidos dos seres que ainda rastejam, aos restos desconjuntados dos seres que estão mais altos. Só uma flor podia ser veículo da saudade humana! Só uma flor podia traduzir no sepulcro, a mágoa dos que choram o passamento dum ente estremecido!
A florista faz negócio. É dia de fiéis defuntos. Um jovem bem parecido, correcto e enluvado, compra-lhe a provisão. E com os braços ajoujados de crisântemos, transpõe o portão do cemitério, verdadeiro prado do repouso ou jardim da saudade.
Ali, no limiar daquela porta, as crenças dividem-se. Uns têm-no como meta da vida, para lá da qual só há a escuridão do nada. Outros consideram-no como o local da última metamorfose humana, no qual as larvas, que todos nós somos, se libertam do casulo para, transformados em insectos perfeitos, lindas borboletas de asas brancas, voar ao Céu, onde as esperam as delícias da vida eterna. Larvas, sim, aquilo que nós somos, envoltas em casulos que cada um tece de sua maneira: com fios de honestidade, ou de valentia, ou de perfídia, ou de maldição, ou de santidade."

Excerto do livro Paisagens do Norte, escrito pelo Dr. Cabral Adão e publicado em 1954. Este livro teve uma segunda edição pela Câmara Municipal de Vila Flor em 1998 (Minerva Trasmontana, Vila Real). Pode ser encontrado no Museu Berta Cabral, na sala dedicada a Vila Flor.

Outro excerto do mesmo livro:  No Jardim da Saudade

29 setembro 2013

e de repente é noite (XXXIII)


XXXIII
Os teus passos são ímpetos entardecidos
lutando contra todas as noites,
reescrevendo as árvores,
reinventando o mármore como quem sabe
que pode, a cada instante, recolher
um desgosto abandonado.
Fonte seca que regressa à fraga original
e persegue ainda, na aragem,
a primitiva forma do seu corpo vibrátil.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Castinceiras, Benlhevai.

27 setembro 2013

Correia, Raúl Alexandre de Sá

Nasceu em Vila Flor, em 22.5.1900. Faleceu em 8.12.1993. 
Foi Chefe da Secretaria da Câmara de Vila Flor, durante cerca de 40 anos. 
Foi um dos fundadores, em 1946, nessa vila da Biblioteca Belmiro de Matos e do Museu Dra. Berta Cabral (em 1957).  Foi quem dirigiu essas instituições culturais, enquanto foi vivo. Era um homem excepcional, um amigo do saber, um bairrista saudável, um cidadão inconfundível. Viveu apaixonadamente essas duas causas, a ponto de ser um modelo para todas as Câmaras da Província. 
A Câmara de Vila Flor, em reunião de 24.5.1986 prestou lhe significativa homenagem, concedendo-lhe o diploma de cidadão honorário e a medalha de prata do Concelho. O Presidente da República, Dr. Mário Soares, concedeu lhe em 22.2.1987 a Comenda de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique pelos serviços prestados à Cultura do concelho. Em 1995 a Câmara patrocinou In Memoriam Raúl Alexandre de Sá Correia (1900-1930), livro com 112 páginas, onde cerca de vinte personalidades da cultura Portuguesa contemporânea, cada uma à sua maneira, procuram elogiar as virtudes desse Homem simples e bom que foi e continua a ser um bom exemplo cultural. Aí se conta o curriculum vitae de Raul de Sá Correia, tarefa que coube ao Dr. Hirondino da Paixão Fernandes. Felizmente, durante 17 anos, trabalhou com ele Alfredo de Jesus Almendra que viria a substituí-lo. O testemunho deste seu colega de serviço que é o seu continuador e que consta na pág. 27 de In Memoriam é o melhor retrato que se pode deixar de Raúl Sá Correia.

In i volume do Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses,
coordenado por Barroso da Fonte, 656 páginas, Capa dura.
Editora Cidade Berço

26 setembro 2013

e de repente é noite (XLI)


XLI
Passei por ti
como luz branda
sobre rebanhos
para não incendiar
a lã.
Não sabia que eras
a última fonte
antes do deserto.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Por do sol no Facho, Vila Flor.

23 setembro 2013

Facho - Vila Flor

Às vezes o que está mais perto é o mais difícil de alcançar e foi o que aconteceu com o marco geodésico Facho, que, mesmo sendo aquele que está mais perto do centro de Vila Flor, foi ficando para o fim sendo dos últimos a ser visitado no âmbito desta volta - Pontos Altos.
A caminhada aconteceu nos últimos dias de junho, uma altura de muito calor. Muita da vegetação rasteira já começava a adquirir o tom de palha seca, mas as flores silvestres ainda abundavam na borda dos caminhos.
 Como a volta era curta, mesmo escolhendo um percurso mais extenso, aproveitei para dedicar mais algum tempo à fotografia, também pelo facto de estar sozinho e ter toda a manhã para subir ao marco geodésico e voltar a casa sem qualquer tipo de apoio.
O caminho parte de junto do Ecomarché e segue até à zona industrial, quase paralelamente à Avenida Vasco da Gama, mas por trás das vinhas do Fraga. É um caminho que utilizo muitas vezes, mas nem sempre recomendável. Por vezes fica infestado de vegetação, outras cheio de água. Quando a erva está molhada também não é agradável passar por lá. No entanto, como fica muitas vezes em estado selvagem, muitas plantas crescem ao longo do caminho e nas paredes, sendo um dos locais mais frequentes para eu fotografar pequenas flores e alguns insetos.
Atingida a zona industrial e de junto da rotunda do Barracão, o caminho sobre em direção à Quinta das Escarbas. O marco geodésico está mesmo no alto do termo desta quinta, mas para não se invadir propriedade privada vai-se dar uma pequena volta quase atrás da serra, atingindo o pico do monte  vindos de norte, através de um trilho aberto pelos ciclistas há algum tempo atrás e já quase desaparecido no meio da vegetação.
Estes picos rochosos permitem uma excelente vista para a Senhora da Assunção, para Bornes e Roios, mas a vila só se avista quando se atinge o marco geodésico.
Este local é um dos que visito com muita frequência, pois quando me apetece caminhar tenho tendência para o fazer em locais ermos, com vistas largas e não ao longo das estradas ou em volta da barragem do Peneireiro, como muitas pessoas fazem.
No Facho deve ter existido em tempos uma estrutura defensiva, daí o nome Facho. Esta designação é muito frequente em redor dos povoados é também uma das mais frequentes em marcos geodésicos. São visíveis os vestígios de algumas edificações e o que parece ser uma estrutura defensiva, constituída por um muro em pedra rodeando o sítio.
O marco geodésico está erigido sobre um rochedo, o que lhe dá um pouco mais de imponência. Eleva-se a 725 metros de altitude, com uma visão de 365º. No local onde se encontra é visível a quem circula nas estrada, principalmente da aldeia de Samões.
Para voltar a Vila Flor há duas alternativas ambas por caminhos. Escolhendo a alternativa mais longa, mas também a melhor, que pode até ser utilizada por um carro ligeiro, segue-se até ao  Miradouro de Vila Flor, descendo-se depois às Capelinhas. A que eu segui é mais rápida, mas só pode ser feita a pé, ou por um veículo todo o terreno. É descer por um caminho com um forte declive que vem dar a Vila Flor pela Rua do Carriço.
O percurso tem pouco mais de 6 km, sem grandes dificuldades, que bem pode ser feito numa pequena caminhada, embora necessite a companhia de alguém que conheça o terreno (por causa do pequeno trilho, que não chega a ser caminho). Tem também a dificuldade ou não da vegetação espontânea no caminho que vai de Vila Flor ao Barracão.
Caminhar desde o marco geodésico do Facho até ao Miradouro oferece oportunidade de ver Vila Flor de vários ângulos, com paisagens muito bonitas que se estendem pelo vale da Vilariça.

GPSies - Facho 2