Não me despertes para o festim
da primeira neve.
Não o desejo nem mereço.
Aperta, em teus dedos,
corolas de açucenas
e fecha todas as janelas.
Que nada nos chegue da rua.
Sabemos a medida perfeita
cinzelada no circulo do tempo.
Não te importes que os outros,
por nós, tenham pequenas razões.
XI
A cidade rarefaz-se, ao longe,
torna-se lembrança. Um barco
esfuma-se entre céu e mar.
A água lodosa bate no paredão.
Apagam-se as páginas do livro,
como primeiro sinal da noite.
E tu vens falar-me
da imutabilidade do real,
cansada de acenares a todas as naves,
cingindo uma túnica de âncoras e cais.
Habitamos a certeza
de que não viemos para ficar.
Adiámos o fascínio de todas as viagens.
E nunca sabemos a quem dizer adeus:
se ao navio que desaparece,
se a nós por deixarmos de o ver.
Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: pinheiros ao anoitecer, em Candoso.
Fotografia: pinheiros ao anoitecer, em Candoso.
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