22 dezembro 2014

Cruz

A cruz
Será a Guarida
E a Luz
Da minha vida,
Eternamente...

Cruz:
Alfombra do mendigo,
Travesseiro
Que o caminheiro
Traz consigo...

Cruz:
Manto
Santo
Que alberga
Os pobres nus -
Corpos sem enxerga,
Almas de Jesus.

J. N. Fonseca*

Publicado em Esperança. Maio de 1962
* José do Nascimento Fonseca nasceu no Nabo a 22-12-1940

11 novembro 2014

Já chegou o outono

Estive ausente durante uns tempos do blogue, posso ter passado a mensagem que terminou a aventura de Descoberta do concelho de Vila Flor. Não, não terminou. Percorrer o concelho a pé, ou de bicicleta, proporciona bem estar e leva-me a conhecer, ou voltar a ver locais de rara beleza, contactar com pessoas simples mas acolhedoras e funciona como um retiro. Um retiro da vida apressada e cronometrada que quase todos somos obrigados a ter, que nos consome a vida e a paciência e da qual temos que nos libertar nem que seja de tempos em tempos.
Desde setembro muita coisa já mudou. Fizeram-se as vindimas, em que mais uma vez participei, colheram-se outros frutos e as folhas começaram a mudar de cor e a cair. Vieram as manhãs de nevoeiro a espreitar do vale da Vilariça ou ameaçando chegar a Quinta da Veiguinha  vindo dos lados da terra quente misturado com o fumo das poucas fábricas que existem mas que muito poluem. Os cogumelos este ano apareceram com força, a chuva foi muita e a albufeira do Peneireiro encheu, como há alguns anos que não enchia.
Fiz algumas saídas, sem grandes canseiras, para aproveitar os "frutos" do outono que a terra dá: os cogumelos. Não foi difícil encher uma cesta de sanchas, canários, alguns rocos e línguas de vaca. Não pode deixar de entristecer verificar que apesar de sermos cada vez menos e teoricamente mais letrados, continuamos a poluir os nossos pinhais, veredas e caminhos, despejando todo o tipo de lixo e entulho.
As últimas caminhadas, à espera de coragem para merecerem alguns parágrafos no blogue, proporcionaram mais algumas fotografias, que têm sido partilhadas no Fecebook, na página Vila Flor, concelho.

07 novembro 2014

e de repente é noite (XLV)

Faz hoje anos que nasceu em Vila Flor o escritor João de Sá. Como tem sido uma fonte de inspiração deste blogue quase desde o momento da sua criação, esta data não podia passar sem mais um pequeno poema de sua autoria.
Tenho andado a publicar excertos do livro "E de repente é noite". É uma escrita bastante triste, mas ao mesmo tempo bela e cheia de interrogações e sentimentos. Quando terminar de publicar o livro completo, prometo partilhar excertos de outros livros.

Que mãos sacodem velhas ferrugens
nos gonzos dos portões da quinta?
Será por ti o vento ou pelo que nós dois
ocultámos de contornos de medos
soletrados por inamovíveis angústias?
Uiva um cão dentro de uma noite
antiquíssima, tão antiga
que sua existência se nos afigura duvidosa.
E não há razões claras que absolvam
a solidão de nos ferir por tantos caminhos
que negámos à convergência dos nossos destinos.
Agora as rotas apontam aos umbrais da demência
e só a rotação dos teus olhos persiste
em desenhar o ciclo do trigo.
Tudo isto te digo embora experimente
uma fadiga expectante de tintas
em quadro concluído.
Se me ouvisses neste instante,
talvez nos absolvesses
e culpasses os ventos e a noite.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.

João Baptista de Sá, nasceu em Vila Flor, a 7 de Novembro de 1928, filho de D.ª Maria Vicentina de Sá Correia, natural de Vila Flor, e de João Baptista Lopes Monteiro, natural de Carrazeda de Ansiães.

20 setembro 2014

Parabéns! Oito anos À Descoberta...

O Blogue À Descoberta de Vila Flor completou 8 anos no dia 5 de setembro. Estes anos não podem ser medidos em anos humanos, mas em em anos blogue, ilustrados pelos muitos quilómetros percorridos e infindáveis fotografia.
Não vale a pena fazer uma viagem aos primórdios dos passeios em BTT ou caminhadas pelo concelho. Está tudo aqui, basta percorrer os meses no menú da margem direita, esta é a principal riqueza do blogue... a história de oito anos À Descoberta de todo o concelho.
Vista parcial de Vila Flor desde o miradouro
Normalmente a reflexão que faço quando se completa mais um ano é ilustrada com número. Em oito anos o blogue nasceu, cresceu e regista agora um momento de declínio quer na minha dedicação à escrita, quer no número de visitantes que aqui passam alguns minutos vendo as fotografias ou lendo algumas palavras. Sinceramente, não me sinto muito satisfeito por as coisas estarem assim. O blogue é pessoal e quem mais partido dele tirou fui eu. A necessidade de mostrar as "coisas" na forma escrita, nem sempre fácil e agradável, enriqueceu-me e levou-me a aprofundar o meu conhecimento do concelho. Se não o continuar a fazer,será uma oportunidade de crescer que estou a perder.
Via Crucis - Páscoa de 2014
Apesar das reportagens menos frequentes, as caminhadas continuaram a ser feitas, intercaladas com muitas outras que fui fazendo nos concelhos vizinhos. Faltam pequenos "chamarizes" como uma nova capela a visitar, uma ponte a descobrir, uma montanha para escalar. Já estive em todos os lugares, em muitos estive repetidas vezes. O entusiasmo diminui.

Parte do tempo que despendia com a actualização do Blogue é agora gasto com a página Vila Flor, concelho no Facebook. Continuo a achar que o facebook é uma plataforma pobre, onde pouco ou nada se aprende e onde a iteração entre as pessoas pouco passa além dos "Gosto" nas fotografias. Mas é uma plataforma muito democrática, a que todos podem aceder e percorrer sem grande esforço ou aprendizagem necessária. Procurando juntar a participação de mais pessoas criei um o grupo Vila Flor - Portugal, que junta pouco mais de 600 pessoas e é já o maior dedicado ao concelho.
https://www.facebook.com/groups/vflor/
Por vezes questiono-me da utilidade ou do prazer de manter o blogue activo. O mais fácil é não fazer nada, mas nem sempre esse é o melhor caminho a seguir. Continuo a tirar muitas fotografias, a adorar percorrer o concelho, a falar com as pessoas e a apreciar tudo o que é natural, característico e tradicional, a maior dificuldade está mesmo em arranjar tempo (e coragem) para me sentar à frente do computador e ... escrever. Também me sinto um pouco incomodado quando as pessoas me cobram, "marcam-me falta", como se eu tivesse obrigação de estar em todo o lado em todos os momentos.
https://www.facebook.com/vilaflor.pt
Não estou comprometido com nada nem com ninguém. Não sei mesmo se ainda existe algum fiel seguidor do blogue, se ainda recordam o endereço ou se simplesmente cá vêm quando o motor de busca os encaminha. Por tudo isto o blogue foi e continua a ser um exercício de auto-motivação que pode terminar a qualquer momento. Enquanto isso não acontece, agradeço aos que me incentivam, aos que me convidam para os eventos que vão acontecendo pelo concelho, aos que comigo convivem e vivem, pela sua companhia, pela sua amizade e pela sua compreensão.
Ribeiro dos moinhos, Valtorno.
Este ano o aniversário também teve direita a bolo! Não só porque o dia 5 de setembro foi o arranque do blogue, mas porque marcou uma mudança radical na minha vida e na da minha família mais próxima. Queremos que cada ano seja melhor do que o anterior e começa-mo-lo em festa.
Quanto aos números, eles estão mais abaixo. Em oito anos foram mais de 350 mil visitantes! Lembro-me que fiz um vídeo para assinalar os 100 mil porque acreditei que foi um grande feito! Durante o último ano (desde setembro de 2013) tirei mais de 13 mil fotografias no concelho de Vila Flor, uma média de mais de 37 fotografias por dia! Sei que há muitos entusiastas da fotografia no concelho, mas este é um número difícil de alcançar.
Produtos da terra na Festa da Amendoeira em Flor

Números do 8.ºano:

Páginas vistas - 46 047
Visitantes - 25 995
Comentários - 26
Postagens - 50
Km percorridos em BTT - 35
Km percorridos a pé - 93
Fotografias tiradas - 13 790
Fotografias publicadas - 111
Bolo do 8.º aniversário 

Números totais (8 anos):

Páginas vistas - 724 965
Visitantes - 335 979
Comentários - 1 872
Postagens - 1 142
Km percorridos em BTT - 2 282
Km percorridos a pé (4 anos) -  845
Fotografias tiradas - 144 095

24 junho 2014

As lendas de Orelhão - Cabral Adão

"Antes do jantar, eu, o Padre Francisco Reis e o Dr. Armando Guedes (que três!) contávamos coisas, estendidos pelas escadas do patim deste ilustre médico dos Passos.
O tempo estava incerto; os desejos de todo um clamor rural pareciam ter eco nos arraiais de São Pedro, pois grossos carriIhões de nuvens baças escorriam de Noroeste, esgaçando-se nos picos de Padrela e pelos montes longínquos.
Nós estávamos à vontade, para ali recostados, fruindo uns momentos felizes da mais íntima camaradagem, eu talvez um pouco mais observador dos pequenos nadas da aldeia, que para os outros dois eram banalidades, apagadas no contacto permanente.
Era o filhito do doutor - o galo da família, como o classificou um criado, em vista de ter aparecido depois de sete irmãs, todas vivinhas e graciosas, pela bondade de Deus - que subia e descia as grades da furgoneta, parada no curral, em riscos de cair e desnocar algum osso, folestrias a que o pai provia de vez em quando, com uma das tiradas do seu glossário de transmontano rijo e expressivo: - «Vai aço!!!». Era um cachorro a entrar de roldão pelo portal adentro e a afugentar as pitas, que se esgueiravam espavoridas para os recantos das dependências, cacarejando os alarmes do costume. Era uma criadita que ía à loja buscar cebolas ou batatas ou azeitonas, morena, vivaça, jeitosa. Era o chiar dos carros de bois pelas canelhas da aldeia. e as vozes dos lavradores a acompanhar as aguilhoadas nos quartos dos animais «Ei!».

Mas a conversa animava e eu, acordado desta contemplação bucólica, espevitava-a como podia.
O Padre Francisco (Francisco Abbas, à latina) falou da sua obra. Sente-se ali um sacerdote. Ali, é no Franco, a dez quilómetros a montante de Passos, onde o forasteiro pode ver o renascimento do Samaritano.
Não estou para mirar muitos outros eclesiásticos por lentes de miopia, o que teria de acontecer se lhes quisesse conhecer as «obras», numa sabatina com este. Basta-me bem examinar esta, no seu valor absoluto, para me sentir feliz e encantado.
Há, então, no Franco, o Lar da Paróquia erigido pelo povo, sim, mas com o sopro divino que do Padre Francisco dimana. Chegou, viu e venceu a batalha da freguesia que o respectivo Prelado pôs à sua guarda. Não há ali doirados nem espaventos de culto. Há caridade, há miolo social que ele foi buscar aos jpães do Evangelho. O Padre Américo se lesse isto havia de sorrir, com certeza! 
No lar da Paróquia doutrina-se, educa-se e dispensam-se socorros aos doentes. O homem-padre construiu um belo edifício de raiz, e esforça-se para o manter de pé.
Note-se que não o faz para subir a cónego, nem para granjear importância, nem para ser valido de importantes. Fê-lo porque tem dotes sacros e quer franqueá-los aos seus irmãos em Cristo. Fá-lo porque assim entende o seu dever. Aí está: simples e claro!
A mim encanta-me duplamente este rapaz, porque foi nascido na mesma terra que me viu nascer. E passo adiante, pois o Sol a pino deslumbra muito...
O jantar estava prestes a ser servido, a avaliar pelo movimento das criadinhas com avental gomado, de laço atrás. Descrever aquele frondoso ágape, especialmente preparado para honrar o colega dos bancos da Faculdade, que o Dr. Armando Guedes não via há talvez vinte anos, seria fastidioso e atentatório do apetite de quem me ler. Diga-se apenas que na véspera, o bondoso médico e lavrador se metera na furgoneta e fora ao Porto fazer as compras para o jantar especial. Trezentos e quarenta quilómetros, ida e volta! Somos assim, os transmontanos: montanhas de dedicação.
Aproveitando uns restos de tempo, já à tardinha, com o manto de nuvens a encapelar e a lançar um pasmo de sombras nos relevas montanhosos em derredor, entretive o cavaco com a Lenda dos Corações, respeitante à região em que estávamos, e que mal delineei com citações imprecisas, mas certa na essência da tradição.
Quem se delicia a subir ao Cabeça de Nossa Senhora da Assunção, de Vilas Boas e Vila Flor, voltando-se a Oeste, vê, entre os mamelões da serra fronteira, do Faro, na última faixa do horizonte, uma vertente de mato escuro, com dois corações a par, admiravelmente desenhados. Chamam-lhe a Serra dos Corações e a lenda explica a curiosidade desta forma:

Antigamente (tempo dos godos? tempo dos árabes?) a terra mais importante da região era Orelhão, que hoje se vê logo abaixo e se chama Lamas de Orelhão. Orelhão tinha Rei e o Rei uma filha que era a personificação duma gota de orvalho caída da mais bela bonina criada nas alfombras de por ali. Tinha-a, o pai, reservado para um alto enlace, com casa nobre doutro reino peninsular. Mas a aspiração da princesinha era outra, residia na esbelteza dum simples pajem, que a requestava às escondidas, por noites de luar. 

Ora o Rei, sabendo-o, quis cortar pela raiz essa paixão impetuosa que requeimava os peitos dos dois namorados, pensando exterminar o pajem de qualquer modo. Mas uma aia fidelíssima avisou a princesinha do intento do seu Real Senhor. Então, os ardentes apaixonados combinaram a fuga e internaram-se na floresta da serra, nessa altura muito espessa e muito poética.
Dado o alarme no palácio, ordenou o Rei aos seus homens de frechas e alabardas, que batessem montes e vales até lhe trazerem os foragidos, vivos ou mortos.
Tudo correram os homens de armas, mas apenas puderam apurar que a princesa e o pajem estavam refugiados na floresta do monte, onde seria impossível encontrá-los, dado o labirinto de ramos e frondes que a mata espessa ocultava no seio.
O Rei não hesitou na solução máxima e infalível: « - Pois deitai fogo à floresta e não retireis enquanto virdes árvores de pé!».
Foi um incêndio pavoroso, que durou semanas. Os dois amantes lá ficaram, desfeitos em cinza. Mas os seus corações recebeu-os a terra, e estão gravados com notável perfeição, para todo o sempre, na serra escalvada e triste.
O «Jornal de Notícias», pela pena de não sei que articulista, narrou esta lenda há muitos anos, que me lembra muito bem de a ter lido.
Enquanto as sopas arrefeciam e espargiam pelo ar um aroma de apetites, o Padre Francisco aproveitou os últimos instantes daquela cavaqueira, nas escadas do patim do Dr. Guedes, para me contar outra lenda, que eu reproduzo mais ou menos fielmente. 

Havia uma menina, que costumava pastorear ovelhas na companhia dum seu irmão, de nome Leonardo. Comba se chamava ela e era bela como uma alvorada de Maio, esbelta como uma andorinha, boa como um cristão antigo.
Um dia, o Rei de Orelhão, cavalgando pelo monte, encontrou a pastora; apeou-se da montada, assentou-se numa pedra e pediu-lhe que o catasse. O monarca reclinou a cabeça no seio da menina e sentiu uma tal blandícia que adormeceu, enquanto ela lhe ia separando os cabelos para a operação requerida.
Poucos momentos passados, a inocente pastorinha teve um palpite nebuloso e, desviando a cabeça do cavaleiro para o lado, desembaraçou-se dele e deitou a fugir.
O Rei tivera um sonho de volúpia, em que a figurinha da pequena serrana era a vítima do impulso escandaloso que lhe alvoroçava o sangue. Então, acordou. Quando se viu só, rangeu os dentes, montou a cavalo e partiu à desfilada, em busca da menina. Prestes a alcançá-la, eis que um grande fraguedo a que Comba se encostara, se fendeu para lhe dar passagem. O cavalo, num galão, ia avançar pela abertura, mas o rochedo fechou-se e as patas do cavalo real sulcaram a pedra e lá estão ainda as marcas das ferraduras, patentes a quem as quiser ver.
O Rei de Orelhão, furioso, viu o irmão de Comba ao longe e galopou como uma flecha, para o alcançar. Usando a lança, num rompante dementado, golpeou-lhe o ventre, pondo-lhe as tripas ao sol. Leonardo jazia como morto, sobre umas carrasqueiras secas. Reunindo as forças que lhe restavam, arrastou-se até um poço que havia próximo e lavou as vísceras na água pura que dele brotava. Por favor da Providência Divina, operou-se a cura sobrenatural e Leonardo pôde levantar-se e correr em socorro da irmã.
Não desanimando, o crapuloso Rei, dos seus intentos, voltou mais tarde ao monte, acompanhado de alguns soldados, para o ajudarem na batida. Mal a pastora o divisou ao longe, deixou o rebanho e correu; correu espavorida, implorando a protecção divina. O Rei, lançando-se-lhe na peugada, instigou os soldados a alcançá-la, gritando-lhes do alto do ginete: «Agarrai-a! Agarrai-a!» Mas a pastorinha tinha asas nos pés e não mais foi apanhada.

Termina a lenda dizendo que Comba morreu em Coimbra, sendo mais tarde beatificada - Santa Comba, bem como seu irmão - São Leonardo.
Ainda hoje se pode ver o poço em que São Leonardo lavou as vísceras esventradas. Ao monte, chama-se de Santa Comba: e a colina em que os soldados perseguiram a pastora é conhecida por - A GARRAIA, topónimo derivado do grito real.
A noite viera chegando, em pés de lã, e nós subimos para a sala, onde iniciámos a refrega, que havia de ficar memorável na história da hospitalidade transmontana."

Texto retirado livro O Homem da Terra, da autoria de Luís Cabral Adão, publicado em 1986.

Cabral Adão - Síntese Biográfica

12 junho 2014

e de repente é noite (XXXV)

Segredos de obscuros cristais
que as traves dos anos preservaram.
Voracidade das ondas nos bolsos
para, às braçadas,
nos acercarmos da alma.
A aparição de um precário abrigo
no aroma ressuscitando as tílias
na praça junto à escola
de giz e ardósia e fingidas palavras
por tudo mostrarem ocultando tudo.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia:  Escola Primária de Alagoa

04 junho 2014

e de repente é noite (XXIX)

É dorido o canto
estrangulado na garganta da tarde
acentuando a irrealidade do real.
Nascem sobressaltos
dos estalidos das madeiras velhas.
Debruçamo-nos no poço
e só a nós ouvimos,
do sorriso das guardas
ao soluço dos fundos.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Pôr do sol - Facho/Vila Flor

29 maio 2014

e de repente é noite (XXVI)

Ficar em paz com as coisas.
Redescobrir-me no rumorejar
branco das amendoeiras.
Inscrever na cortiça dos anos
a leveza das primeiras verdades.
Atingir a serenidade
das pedras aguçadas
pelos crepúsculos longos.
Saber que cada cidade
é uma falha humana irreparável
e que esta sede
só a sede a dessedenta.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Flores de amendoeira.

23 maio 2014

Vila Flor - Caminhada Solidária


Dia 8 de junho, às 19h30 horas, participe na Caminhada Solidária.
A inscrição reverte na totalidade para a Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte.
Inscrição: 5€, no Centro Cultural de Vila Flor
Oferta de Mochila, T-Shirt e Água.

e de repente é noite (XXV)

Os ventos afinam
os violinos dos choupos
com o diapasão dos rios.
E o mesmo abalo
que emudeceu a floresta
silenciou os seus lábios,
por excesso de claridade
em todo o corpo.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Vila Flor

16 maio 2014

e de repente é noite (XXIV)

A charneca de yorkshire aberta
até ao campanário do presbitério.
As nortadas fendendo os muros da herdade.
E a minha esperança que um alto poder
me devolva a sua figura branca
no escuro da cancela. O lenço de seda
flutuando nos pêndulos de luz
dos seus cabelos. A finura dos lábios.
As violetas em redor dos olhos.
Onde estarão, na primavera,
os ventos uivantes no grafismo da neve?
Onde estarei eu de há cinquenta anos
colhendo, até ao fim da noite,
as rosas pressagas do seu jardim
transfigurado em livro?

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Castanheiros em Benlhevai.

09 maio 2014

e de repente é noite (XXIII)

Sei que o corredor me levava
ao nicho da imagem
que de luar cristalizado
se fizera.
Ali findavam
meus ardentes périplos
alvorejando, na glicínia,
arcos de invisíveis primaveras.
Era tudo mais distante
que as palavras.
Onde recordo incendeiam-se grutas
diante de quase nada:
um queixume num recesso de tédio;
o aroma, o rumor
de um fruto sobre a terra.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.

02 maio 2014

e de repente é noite (XXII)

Todos desapareceram.
Já ninguém à porta me recebe,
neste instante de cardos.
Só um cortejo de espectros
se move, lento, nas mais densas trevas.
O olhar mudo das paredes.
Sua estranha forma de gritar o silêncio.
A cal esboroada ainda com vestígios
de tantos olhares mortos.
Minha mágoa nos ombros,
porque pressinto neles um vaguear de mãos
encaminhando-me seguramente
através do velho casarão.
Quero culpar alguém deste vazio,
medir minha revolta com qualquer ira divina,
mas só o vento me responde outras perguntas
que mais queimam e ferem,
de uma distância de nuvens.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Vila Flor

Via crucis (02)

Segundo conjunto de fotografias que ilustram a Via Sacra que teve lugar no dia 13 de abril em Vila Flor.




26 abril 2014

e de repente é noite (XXI)

Havia um poço
de água muito fria
e seus perenes avisos
de obscuridade.
Havia uma bica de bronze
onde pousava a boca
sem ter sede,
só por nela teres bebido.
O dia anunciado
nas fendas da janela.
Fragrâncias matutinas
no voo dos primeiros pombos
a branquear o dia.
E um súbito encantamento
em nossos peitos:
um vulcão de sonhos
mais alto que a manhã.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Albufeira do Peneireiro

22 abril 2014

e de repente é noite (XIX)

Em Maio os campos acendiam-se
e o céu, límpido, era mais alto e lento.
A horizonte tornava-se um veleiro
afastando-se num tremular de lenço
em que não cabia nenhuma dor de exílio.
Pela tarde vinham as trovoadas,
seu peito metálico oprimindo
a nossa vigília de medo,
por não reconhecermos a sua voz.
Pouco ou nada sabíamos
do malogro das esperanças
pelos outros sonhadas para nós,
mãos pousadas no vapor das vidraças,
como no extremo de uma comoção enternecida.
E o que se erguia dos novelos de trovões
falava-nos vagamente de uma história antiga
em nada semelhante à vida.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Pôr do sol - Vila Flor

19 abril 2014

e de repente é noite (XVIII)

Saber como são breves
as manhãs sem sombras.
Ir do latejo da luz
ao ondear da seara
desenhando cotovias
com o ritmo dos ventos.
Dar uma cor a este canto
de distraída cigarra:
talvez um Junho de cerejas
a escalar o branco do linho.
E um divino poder nos conceda
que aprendamos a arte do sol.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.

16 abril 2014

e de repente é noite (XV)

A impetuosa deambulação do álcool da escrita atravessando
este apego às pausas nocturnas.
Fumegam as montanhas de tanto tédio expelido
de seus profundos alvéolos
preenchidos com minha ansiedade de toupeira
ante os segredos últimos da terra.
É de noite que as aranhas dos sonhos
segregam mais translúcidas teias
e dúctil é o âmbar das eiras sob as escamas fosforescentes
do luar de Agosto.
Nos solares abandonados, meus herméticos olhos
só repousam no escuro dos corredores
como se descobrissem, de repente,
a substância de que foram feitos.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Pôr do sol - Candoso.

15 abril 2014

Via crucis

 A Semana Santa, do Domingo de Ramos ao Domingo de Páscoa é cheia de significado para os católicos, com a celebração de momentos dos mais marcantes desta religião. Em Vila Flor é habitual esta semana ser vivida de uma forma intensa e este ano não é exceção com um programa extenso e variado a convidar os crentes (e menos crentes) à celebração Pascal.
Um dos momentos altos destas celebrações é, sem dúvida, a representação da Via Crucis, caminho da luz, acompanhando os passos de Jesus desde o pretório até ao Calvário, na noite do Domingo de Ramos.
A representação da paixão do Senhor junta um grupo de algumas dezenas de figurantes, de diversas faixas etárias, que levam o seu papel de atores e desta vez de cenas bíblicas, muito a sério, com grande efeito visual e muita emoção.
As cenas principais decorrem em frente aos passos do concelho com efeitos sonoros e luminosos, com uma multidão a assistir em silêncio à narração, de todos conhecida, mas cada ano diferente, sempre renovada.
A Via Sacra tradicional não incluiu a Ressurreição, mas a representação desta 15ª estação é uma forma mais positiva de celebrar a Páscoa. A Ressurreição deixa a esperança, ou melhor a certeza, de um destino melhor.
Após terminar a representação a procissão com os andores do Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores continua a volta pelas principais ruas da vila, terminando na Igreja da Misericórdia, local onde teve início.
As celebrações da Semana Santa vão suceder-se e terão o seu término no domingo de Páscoa, com a Visita Pascal.
Estas celebrações são levadas a cabo pela Santa Casa da Misericórdia de Vila Flor, pela Paróquia de S. Bartolomeu e o apoio da autarquia.

12 abril 2014

e de repente é noite (XIII)

Que os instantes do dia
Se incendeiem de mar,
Como uma alma ao descobrir
Os fulgores da carne.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Pôr do sol - Vilarinho das Azenhas