"No Outono, nem toda a Natureza dorme. Enquanto campos se acalentam
em sonhos de mistério, nos canteiros dos jardins velam crisântemos em plena
exuberância, garbosos e emproados na sua inclinação sobre a haste!
São manchas multicolores que nos maravilham o olhar e os lábios se os
beijarmos. Mas ai da ilusão! Até os crisântemos são tristes, porque vão bem a
acompanhar finados!
A florista da esquina tem-nos aos braçados. Os seus ramos
são poemas melodiosos, em cada corola urna estância, em cada petalazinha um
verso cândido. Poema... elegíaco! Elegias de saudade, que vão levar gemidos dos
seres que ainda rastejam, aos restos desconjuntados dos seres que estão mais
altos. Só uma flor podia ser veículo da saudade humana! Só uma flor podia
traduzir no sepulcro, a mágoa dos que choram o passamento dum ente estremecido!
A florista faz negócio. É dia de fiéis defuntos. Um jovem bem parecido, correcto
e enluvado, compra-lhe a provisão. E com os braços ajoujados de crisântemos,
transpõe o portão do cemitério, verdadeiro prado do repouso ou jardim da saudade.
Ali, no limiar daquela porta, as crenças dividem-se. Uns têm-no como meta da
vida, para lá da qual só há a escuridão do nada. Outros consideram-no como o
local da última metamorfose humana, no qual as larvas, que todos nós somos, se
libertam do casulo para, transformados em insectos perfeitos, lindas borboletas de asas brancas,
voar ao Céu, onde as esperam as delícias da vida
eterna. Larvas, sim, aquilo que nós somos, envoltas em casulos que cada um tece de sua maneira: com fios de honestidade, ou de valentia, ou de perfídia, ou de maldição, ou de santidade."
Excerto do livro Paisagens do Norte, escrito pelo Dr. Cabral Adão
e publicado em 1954. Este livro teve uma segunda edição pela Câmara
Municipal de Vila Flor em 1998 (Minerva Trasmontana, Vila Real). Pode
ser encontrado no Museu Berta Cabral, na sala dedicada a Vila Flor.
Outro excerto do mesmo livro: No Jardim da Saudade
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