02 maio 2014

e de repente é noite (XXII)

Todos desapareceram.
Já ninguém à porta me recebe,
neste instante de cardos.
Só um cortejo de espectros
se move, lento, nas mais densas trevas.
O olhar mudo das paredes.
Sua estranha forma de gritar o silêncio.
A cal esboroada ainda com vestígios
de tantos olhares mortos.
Minha mágoa nos ombros,
porque pressinto neles um vaguear de mãos
encaminhando-me seguramente
através do velho casarão.
Quero culpar alguém deste vazio,
medir minha revolta com qualquer ira divina,
mas só o vento me responde outras perguntas
que mais queimam e ferem,
de uma distância de nuvens.

Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Vila Flor

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