08 dezembro 2007

Outros Invernos

Hoje de manhã, fiz um curto passeio de bicicleta até ao Barracão. O dia estava fantástico, mas via-se o nevoeiro no Vale da Vilariça e algumas nuvens no alto do Facho. Com o ar fresco a bater-me na cara, pensei nos Invernos de outros tempos. Só passei dois Invernos em Vila Flor: o primeiro foi há 11 anos atrás e lembro-me de ter caído uma grande nevada. No ano passado, o que caracterizou o Inverno foi o nevoeiro, que gosta de se instalar aqui, ocultando toda a bela paisagem em redor. Mas, nem sempre foi assim.
Não é necessário procurar muito para encontrarmos no museu de Vila Flor fotografias ilustrativas do Inverno de outros tempos. Hoje deixo duas, do mesmo dia 12-02-1932, tiradas no mesmo local: em frente à Fonte Romana, em Vila Flor. Uma, em direcção à vila, vendo-se perfeitamente a casa onde hoje está o Café Fonte Romana, a casa do guarda-rios e um pouco do Arco de D. Dinis. Junto às pessoas nota-se uma espécie de ponte, uma vez que aí devia haver um curso de água que hoje quase não se nota (mas existe); a segunda fotografia, foi tirada em sentido contrário e mostra a zona onde hoje está a Escola EB2,3/S de Vila Flor e o Pavilhão Desportivo. Sei que mais tarde, no Verão, este local serviu de eira, com a azáfama (já da minha lembrança), das malhadeiras e palheiros. Em 1932 já existia um cruzeiro neste local, também visível na fotografia. Não sei se é o mesmo que ainda hoje ali se encontra.
Para ilustrar estas fotografias (ou ao contrário) deixo alguns versos de Cristiano de Morais.


Dias de nevoeiro e sincelo em Trás-os-Montes


Que fumarada tamanha
Ou noite de luar!
É cinza da montanha
Que Deus anda a espalhar
Ou vapor d'água a molhar!

Será dia, será noite?
Pergunta alguém no dealbar!
A lua com sua foice
Todos está a gelar
Parecendo o dia, a sonhar!...

Dia branco humedecido
Todo feito de luar
de luz sem sol, entumescido
A todos põe engauridos
Com nevoinha que vem do ar!
...
Recolheram-se as gramíneas
Tudo entrou pela terra dentro
Ao lado as couves azulíneas
Estevas dobradas p'lo centro
Como em tempestades fulmíneas!

Mas o espectáculo tem beleza
Grandeza e contemplação
É um cenário de beleza
Que transparecendo braveza
Torna meigo o coração.
...
Criando pingentes nas árvores
Nos arbustos e nos cinceirais
Enfeitando com brancos sabres
Ou níveas flores dos roseirais
Os espontânea beleza de catedrais!

Deus te abençoe dia cinzento
Feito de fumo e nevoeiro
Como brisa que trás o vento
Ou beijo d'amor primeiro
P'ra mim, tens encantamento.

Poema do livro de Cristiano de Morais, Riquezas e Encantos de Trás-os-Montes, 1950.
Tanto o livro como as fotografias, podem ser encontradas no Museu Municipal de Vila Flor.
O poema não foi transcrito na integra. Alguns significados: engaurido = engaranhidos = encolhidos com o frio; sincelo = senseno = pedaços de gelo pendentes das árvores ou dos beirais dos telhados; cinceirais = sinceirais? = salgueirais; tempestades fulmíneas = tempestades que destroem.

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