24 agosto 2009

A promessa


"A ermida da Senhora dos Anúncios é na Ribeira. Tem a curiosa particularidade de assentar num outeiro, único na extensão da planície da Vilariça, antes das elevações das margens, dizer um pouco esquemático, já se vê. Planura, planura e, de repente, um cone regular, frente a Santa Justa, com uma capelinha branca lá acima. Assim como uma assadeira e um dedal no fundo!
A festa mete pouca gente: é uma entre a família ribeirinha e dos altos circundantes. Tem a sua procissão, o seu sermão, os seus foguetes, bazar e música.
Dali, abarca-se todo o imenso e fecundo vale desde os Vilares até lá para o Carrascal, para a Foz, no Douro. Pelos montes que o enquadram, espreitam casinhas pardas da Cardanha, da Adeganha, das Cabanas, da Horta, de Vilarelhos, da Burga e, mais longe, de Benlhevai.
A Maria da Paz lá foi, como prometera. E a promessa era pequena. Nem voltas de joelhos, nem penitências debaixo dos andores, nem dar as tranças. Apenas isto: rezar um tercinho à Virgem com toda a devoção por a ter livrado do grave perigo em que esteve; e recitar em voz alta, quando a igrejinha ainda estivesse vazia, uns versinhos da sua cabeça, que ela tinha decorado para oferecer à Senhora.
E assim foi. Chegou cedo e prendeu a arreata do jerico que trouxera, a um poste do adro. Entrou na capela pé ante pé e, vendo que não estava ninguém, ajoelhou, persignou-se e recitou, com os olhos meigos fitos na Virgem Maria:

Oh, minha Nossa Senhora,
Virgem do meu coração!
Quando eu 'stiver em má hora
Enviai-me um abelhão.

Um abelhão, uma vespa,
Uma víbora ou lacrau,
Que desvie dos meus passos
Quem para mim quiser ser mau.

Defendei-me do inimigo,
Oh, Senhora dos Anúncios!
E sede sempre comigo
A ditar-me os «abrenúncios».

Se virdes qu'eu o mereço,
Um homem fero me dai,
Pra vivermos, eu vos peço,
Sempre, sempre em Benlhevai!

Oh, Senhora minha Mãe!
Se achardes pecado em mim,
Mandai-me ferrar também
Por bicharoco ruim.

Senhora! Dobrai-me a fé
E guardai-me uma casinha
Com Deus sempre ali ao pé!
Salve, Mãe! Salve, Rainha!

Depois, rezou o terço vagarosamente, confiadamente."

Excerto do livro Paisagens do Norte, escrito por Cabral Adão e publicado em 1954. Este livro teve uma segunda edição pela Câmara Municipal de Vila Flor em 1998 (Minerva Trasmontana, Vila Real). Pode ser encontrado no Museu Berta Cabral, na sala dedicada a Vila Flor.
Fotografia: Agosto de 2009, no alto do Facho.

2 comentários:

Transmontana disse...

A história é simples,mas, nem por isso, menos bonita! A foto é maravilhosa!!!
Parabéns!!!
Um bom dia de festa!
Anita

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Obrigada pelas suas palavras. Gostei mesmo daquela surpresa, a descoberta de Sta Comba no caminho. E foi bom "ouvir" agora alguém desse lugar e voltar à descoberta ;)

Abraço grande
M. Rosário

http://divasecontrabaixos.blogspot.com/2009/06/aldeias-da-minhavossa-vida.html