20 fevereiro 2013

e de repente é noite (II)

É para reavivar
as oblíquas luzes da memória
que escrevo este rio de destinos,
este enleio de lugares que se abrem
onde os abismos fecham suas arcas
repletas de deuses visíveis e carnais.
A fronte no cimento dos punhos
sobrevoando o gráfico da febre,
insensível ao nível do mercúrio
no padecimento das insolações.
Já envelheci todos os futuros,
sei que nenhum suplício se modera
antes do seu horóscopo cumprido.
Agora como descobrir virtuosos filtros
para esta descrença que se enreda
em nossos passos nos retratos das paredes
rasurando de tempo a eternidade?
Dizer é o estertor da luz
à beira de um circulo de silêncio
onde as sombras movem a engrenagem da noite,
num vagar oculto de sirgo,
a fim de não sabermos
que turvas solidões é preciso destruir
para que nasça uma alvorada verdadeira.

Poemas de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: Rio Tua, em Ribeirinha, Vilas Boas.

1 comentário:

Transmontana disse...

"que turvas solidões é preciso destruir
para que nasça uma alvorada verdadeira"

Fiquei a pensar neste final do poema, lindíssimo, e, pergunto a mim mesma: Quando teremos uma alvorada verdadeira?

Abraço amigo