
12-07-2008 Tinha o dia de hoje reservado para acompanhar um grupo de pessoas que ia percorrer a
Linha do Tua. A comunicação falhou, de forma que só me restou definir o meu próprio percurso. A primeira ideia, seria eu fazer a pé, a parte da
Linha do Tua que percorre o concelho de
Vila Flor. No fundo era isso que eu tinha pensado fazer, para acompanhar o grupo de caminheiros que iria percorrer toda a linha, em vários dias.
O concelho de
Vila Flor começa a poucos metros do complexo do
Cachão, onde o acesso é fácil. A estrada
Cachão-
Vilarinho das Azenhas acompanha a linha. O limite entre
Vila Flor e
Carrazeda de Ansiães não é tão acessível. A marcação entre as freguesias de
Pereiros e
Freixiel, percorre uma zona agreste, entroncando no
Rio Tua, algures entre as estações de
Abreiro e
Codeçais. O ponto de referência é a
Ribeira da Cabreira, embora os limites das freguesias não a acompanhem. Com chegar a este local? Tive uma ideia! Porque não ir até
Freixiel e descer ao longo da
Ribeira da Cabreira? É fácil imaginar, difícil de acreditar, mas não estamos a falar de descoberta e aventura?

Por volta das 11:30 horas estava na
Rua da Estrada dos Folgares, em
Freixiel. Já há muito que tinha germinado a ideia de acompanhar a
Ribeira da Cabreira até à foz, no
Rio Tua. Ainda era muito jovem quando a percorri,
Cabreira abaixo, até
Freixiel, tinha agora oportunidade de terminar a tarefa.

O
percurso estava traçado: desceria até ao
Rio Tua/Linha do Tua, tentando acompanhar de perto a
Ribeira da Cabreira; percorreria a
Linha do Tua, até ao
Cachão, passando por
Abreiro,
Ribeirinha e
Vilarinho das Azenhas; voltaria a
Vila Flor, de carro. Este itinerário deixava-me pouco mais de 20 quilómetros para percorrer a pé.
Deixei a aldeia, em direcção à ribeira. Acompanhei-a durante pouco tempo. Desviei-me depois, por entre vinhas e oliveiras, em direcção às sepulturas escavadas nas rochas, no
Salgueiral. Neste local já estive.
O dia prometia. O céu estava azul, povoado de nuvens brancas. A temperatura era alta, mas fazia-se sentir um ventinho ligeiro, amenizando a caminhada. Ia ser uma tarde farta de "disparos".

Em tempos idos, toda esta zona dos terrenos onde me deslocava, esteve alagada. As águas da
Cabreira e do
Pelão juntavam-se no local onde está hoje
Freixiel. Não deve ter sido fácil rasgar no etéreo granito uma saída, serpenteando entre altas montanhas, até ao
Rio Tua. Quase pude adivinhar o local, quando percorri as rochas que dividem dois mundos: o vale fértil onde se situa hoje
Freixiel e o percurso agreste que se seguiu, com enormes blocos de granito sob os quais a ribeira desaparece, para surgir mais abaixo, sempre agitada, fugidia e transparente. A partir deste ponto, a paisagem parou no tempo. Adivinham-se os caminhos sufocados pelo mato; vêem-se, de onde em onde, oliveiras selvagens, sobreviventes; a única mostra da mão humana, são os sobreiros, sem cortiça. Os sobreiros são os únicos que sobrevivem, à medida que os homens abandonam as terras, limitando-se aos terrenos mais férteis, em voltas das aldeias.
A certa altura o caminho terminou, eu sabia que isso ia acontecer. Fui progredindo no terreno alternando de margem, tentando aquela que me parecia mais favorável. Era impossível seguir pelo leito da ribeira.
Ainda muito próximo de
Freixiel encontrei as ruínas de
alguns moinhos, penso que se chamam os
Moinhos da Peiada. Arranhei-me todo nas silvas, mas não consegui seguir em frente sem lhes fazer uma visita completa. Há dois moinhos, cada um com rodízios, mas construídos em cascata, ou seja, a água, depois de fazer funcionar o primeiro moinho, era aproveitada pelo segundo, ideia também utilizada nalgumas barragens hidroeléctricas.
Continuei ribeira abaixo. A certa altura pareceu-me ver um cintilar azul metálico, sobre uma rocha! Era mesmo verdade, um
guarda-rios (
Alcedo atthis) exibia-se! Fiquei atrapalhado! Queria trocar a objectiva, mas tinha medo que a ave se fosse embora, são muito rápidos. Nem tentei aproximar-me mais, tentei a fotografia mesmo assim.

Mais abaixo encontrei a estrutura de uma
antiga ponte, já destruída. Não tem acessos, deve ter sido abandonada há muito tempo. Faria esta ponte parte de uma rede de estradas, com ligação à antiga ponde de
Abreiro? Em
Pereiros há uma ponte romana, na
Ribeira das Lages, que aqui se junta à
Ribeira da Cabreira. O pilar, no leito da ribeira, tem as juntas rusticamente tapadas com cimento. Qual será a antiguidade desta ponte? É uma boa questão a investigar.
Pouco depois encontrei um pontão, recente, permitindo aos veículos atravessarem facilmente a ribeira. Este caminho vem de muito perto da ponte romana,
Ponte das Olgas, de que falei. Segue directamente até ao rio, e eu aproveitei para seguir por ele. Os limites da freguesia de
Pereiros ultrapassam o leito da ribeira, subindo ao cume da
Serra Tinta, seguindo por ele até ao rio. Estava, portanto, em território do concelho de
Carrazeda de Ansiães.
O caminho é bom, compreende-se, segue por entre valados de vinhas jovens, modernamente plantadas! Estou em querer que este caminho deve ser muito antigo.
Pereiros não consta das estações da
Linha do Tua, desde o seu início, então de que são aquelas ruínas que estão junto à linha, perto da foz da
Ribeira da Cabreira? Estas ruínas intrigaram-me da primeira vez que por ali passei, a caminhar. Agora ainda fico mais intrigado por saber que há um caminho, bastante bom até, que liga este "fim-de-mundo" à aldeia de
Pereiros.
Cheguei ao
Rio Tua às duas horas da tarde. Fiz questão de descer ao rio e ir ao exacto local onde as águas da ribeira se diluem, no ainda grande caudal. Espreitei a ponte do comboio que salta a ribeira e preparei-me para a segunda etapa, agora já em terreno meu conhecido.
A aventura
continua, pela
Linha do Tua, talvez amanhã...