20 agosto 2008

Uma janela para Vila Flor

"Cheguei à pouco de um passeio - à descoberta - de outras terras. Levei comigo uma janela que dava para Vila Flor. De cada vez que dela me abeirei, descobri pormenores que nunca vislumbrei, enquanto percorri todos os recantos do concelho: subi ao "Frade", desci às profundezas do ribeiro que corre sob Vila Flor, comi pão mergulhado no azeite virgem do lagar, conheci praças gloriosas, escolas que já não existem, avenidas novas e velhos brinquedos. Comi medronhos que entontecem e bebi um "néctar raro, possivelmente o mesmo com que Baco embriagava as sacerdotisas que participavam nos seus orgiásticos rituais". Do alto da janela, o meu olhar alcançava mais longe, quando ainda não havia automóveis em Vila Flor, nem água, nem igreja, nem electricidade... Mas havia neve, perfume das flores e sumo dos frutos. Havia amizade, solidariedade, fé e vontade.
Vou revelar-vos o segredo. A janela não tinha vidros, mas sim páginas que se abriam, repletas de pormenores, pinceladas subtis, em tons suaves, com cores de tempo diluídas em sentimento e lágrimas. Nem o mar, nem o sol me conseguiram desviar a atenção dos quadros pintados, ora com neve, ora com as mais perfumadas cores de Primavera, com os tons pastel dos restolhos ou com a cor rosada dos frutos do Outono".

A pessoa que assim "pinta", chama-se João de Sá e a janela "Mãe-d'agua".

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Anibal.
Também já li esse livro,mas na verdade esse mundo que ele nos "pinta" em pinceladas fantásticas de cores,sentimentos e quadros que hoje,neste mundo actual do "tudo??? ou nada???",já não existem.Eu que apesar, de um pouco mais novo que o seu autor,ainda saboreei,esses sentimentos de solidariedade,esses odores da natureza,de neve e frio com "pingurelhos"de gelo nos beirais,de primaveras coloridas,dos ninhos nas árvores da avenida,autênticas vivências humanas,sinto que esse mundo já não existe.
Essa realidade,nos meus 47 anos de vivência plena e intensa nesta Vila Flor,provoca-me uma profunda nostalgia e saudade.
Foi apenas um desabafo.
Abraço caro Aníbal e á minha saudosa profª Anita Fonseca.
Rui Guerra

AG disse...

Olá Rui
O autor, ao escrever o livro, lamenta-se muitas vezes. Ele próprio não se revê na Vila. Por isso, muitos dos quadros que pinta são mais do seu interior do que o mundo real.
É assim a literatura: permite reconstruir, criar mundos quase perfeitos, repletos de sentimentos.
Hoje há pouco tempo para ler, escrever ou conversar. talvez por isso as pessoas andem tão cinzentas.
Um abraço

Anónimo disse...

Olá
...cada um faz a apreciação que faz e, mais nada... Objectiva... Subjectiva... No entanto, por motivos vários, acho, acho, este texto dos melhores concebidos/conseguidos pelo seu autor. Tem muito por onde se lhe pegar... É uma prosa dum "segredo" desvendado, cuja mensagem se reveste de poesia pura e saudade contagiantes.
Obrigada e Parabéns, Aníbal
Abraço
Esmeralda

Anónimo disse...

...bem como de um apego à terra, inigualável... ainda faltava (acrescentar) isto....
Abraço
Esmeralda