Saí de Vila Flor um pouco mais tarde do que o desejado, porque estive algum tempo indeciso se teria companhia ou não. Mesmo assim, fui caminhando lentamente em direcção ao Barracão, ao longo da estrada nacional 215. Quando me convenci que seguiria mesmo sozinho, junto da Quinta da Nora, segui por um caminho (que nunca tinha percorrido), que me levou a Samões. É diferente chegar às localidades aos Domingos ainda cedo. Parecem aldeias fantasma, onde não habita ninguém. Em Samões aconteceu isso mesmo.
Desci ao fundo da aldeia junto da capela Nossa Senhora do Rosário. Por baixo da fonte sai o caminho que pretendia tomar. O trajecto que pretendia seguir não é nem de longe o mais fácil, nem o mais rápido, é sim aquele que percorre os caminhos mais remotos, praticamente só utilizados por pastores e caçadores. São caminhos que bem conheço de caminhadas anteriores ou passeios de BTT.
Depois das primeiras chuvas de Setembro, é mais fácil circular pelos caminhos. Há menos pó e a vegetação rasteira, ainda que toda seca, apresenta mais hipóteses fotográficas e formam bonitas imagens em contraluz. No caminho que sai de Samões em direcção ao ribeiro do Vimieiro, no lugar das Olgas, destaca-se na vegetação os espinheiros e o sumagre, isto para além das amendoeiras, vinha, oliveiras e figueiras, que são abundantes.
A luz da manhã é inspiradora e percorrer estes caminhos sem qualquer preocupação é uma terapia que muitos deviam praticar. O sol brilhante que passa através das folhas dos sobreiros, freixos e salgueiros cria efeitos alucinantes.
O caminho que escolhi percorre a encosta em direcção a Sul e levou-me muito próximo das habitações de Carvalho de Egas. Depois, foi só subir o Barreiro e, logo depois, avistam-se ao longe as casas de Candoso, com a capela sobranceira, velando pelos humanos. Passava já das onze horas, quando cheguei junto da velha capela que já retratei em visitas anteriores.
Em Candoso, num horário mais adiantado, encontrei várias pessoas, algumas minhas conhecidas, com quem conversei. O pai de uma ex-aluna minha mostrou-me a sua criação e canários, aves que também adoro. Ficámos ainda bastante tempo a conversar sobre canários, verdelhões, pintassilgos, etc. As aves são uma das minhas paixões, que acho que nasceu comigo. Nunca consegui controlar o ímpeto de procurar ninhos, nem me consigo abstrair do canto das aves e da tentativa de interpretar os seus significados.
Era meio dia quando cheguei ao alto do cabeço, junto da capela. A pessoa que me devia ter facultado a chave, não o fez. Disse que não a tinha. Compreendo que não tenha querido dar a chave da capela a uma pessoa que ela não conhece de lado nenhum, e a ainda para piorar as coisas com mau aspecto. Imagina qual será o pensamento de algumas pessoas quando me vêem passar, de mochila às costas, todo transpirado e de olhar curioso a bisbilhotar em todos os becos, fontes e capelas. Independentemente daquilo que as pessoas pensam, a sensação é boa. É como já disse uma terapia fantástica. Não se dá pela passagem do tempo e não se sente fome. As coisas aparentemente banais como as rochas, as árvores, as casas ou os caminhos, ganham contornos, formas reflectem a luz e observo-os como versos de um poema, que escrevo enquanto caminho.
Depois de chegar ao meu objectivo, havia que regressar a casa. Uma das vantagens de caminhar sozinho é a possibilidade de tomar egoisticamente todas as decisões. Decidi voltar a casa, a pé, por outro caminho ainda mais longo do que o seguido para chegar a Candoso.
Apesar do caminho de regresso ser mais longo, foi feito muito mais rapidamente. Já não havia a luz da manhã para fotografar e as pilhas da máquina estavam quase no fim. Ao longo do caminho que fui pensando no jovem de Candoso que dias antes ali tinha perdido a vida. Foi neste caminho que há alguns anos fotografei o mais bonito pôr-do-sol das minhas viagens pelos caminhos do concelho. Quando se morre é a luz que se vai aos poucos, mas, assim, tão jovem, é uma coisa que nos custa a aceitar e damos connosco a questionar o próprio Deus. Talvez isto só aconteça porque nos convencemos que somos eternos, que temos todo o tempo do mundo para sermos felizes e não nos damos conta que não somos diferentes das árvores, das flores e dos diferentes animais. Um dia vem um clarão, uma dor intensa, uma célula maligna, e ... apagamo-nos. Valeu a pena?
Enquanto estes pensamentos me assaltavam, como por acaso, a respostas vinham-me pelos auscultadores na voz de Chris de Burgh:
There is an answer, some day we will know,Desde uma caminhada que fiz em Fevereiro, em Vilas Boas, que levo comigo um leitor de MP3. Nem sempre o ligo, mas a música seleccionada combina sempre com os ambientes que percorro.
And you will ask her, why she had to go,
We live and die, we laugh and we cry,
And you must take away the pain,
Before you can begin to live again.
Depois de cruzar de novo o ribeiro do Vimieiro, ainda seco, comecei a subida para Samões, atingindo a estrada pelo Carvalhal, entre Samões e Carvalho de Egas. Não foi fácil atravessar as obras do IC5 e fiz alguns quilómetros desnecessários. O restante do caminho não tem história. A preocupação era chegar o mais rapidamente a casa, porque a hora de almoço já ia longe.
Percurso feito:
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