28 janeiro 2008
Esmolas de S. Sebastião, em Freixiel
Cumprindo a tradição, realizou-se no domingo dia 27 de Janeiro, o ritual das Esmolas de S. Sebastião em Freixiel (o dia de S. Sebastião foi a 20 de Janeiro).
A origem deste ritual perde-se nos séculos. O culto a S. Sebastião remonta pelo menos ao séc. XVI, data provável da construção da capela dedicada a este santo, com um elegante arco gótico, no local chamado Portela da Forca. A arrematação de produtos oferecidos pelas pessoas, à porta das igrejas, é uma tradição muito comum em todas as aldeias do nordeste trasmontano, mas, em Freixiel, vamos encontrar pormenores que fazem deste ritual uma situação singular no nordeste e não sei se no país.
Pelas catorze horas, quando cheguei ao largo da igreja, fiquei surpreendido com a quantidade e variedade de esmolas recolhidas durante a manhã. Mesmo depois de começar a arrematação, ainda chegaram mais oferendas. Havia grande variedade de bolos e pudins (dizem que mais de 40!), vinho do porto, champanhe, whisky, ovos, feijão seco, frutos secos, frutos, fumeiro, vinho, azeite, cebolas, batatas, etc. Havia também um grande número de pequenas caixas, enfeitadas com fitas e papéis coloridos, eram os “segredos”. A designação de segredo deriva precisamente do facto de não se saber o que contêm, o que dá uma grande incerteza na hora de licitar. Estava montado o cenário. As pessoas enchiam todo o espaço à frente da igreja, muitas delas sentadas, preparadas para uma arrematação que iria durar mais de três horas.
Três homens ocuparam o espaço central, rodeados pelas oferendas, em círculo, por sua vez rodeadas pelas pessoas. Começaram por colocar em arrematação as coloridas caixas, que, diga-se, não renderam muito dinheiro. Quase todos os “segredos” escondiam coisas doces, que foram distribuídas pelas crianças mais gulosas que corriam pelo adro. Quando a arrematação se estendeu aos numerosos bolos, quase todos acompanhados por garrafas com bebida, aproveitei para circular por entre a população, à descoberta.
Os produtos tradicionalmente oferecidos como esmola ao S. Sebastião eram o azeite, vinho, batatas, cebolas, feijão, abóboras, fruta e fumeiro. Curiosamente, destes, só as abóboras estavam ausentes e o vinho (da terra) também havia pouco. No passado eram oferecidos muitos “segredos”. As pessoas ocupavam bastante tempo só a fazê-los, cestos deles, com o objectivo que rendessem algum dinheiro, com pouca despesa. Contrariamente às guloseimas dos dias de hoje, alguns “segredos” escondiam ratos mortos ou aves que saiam voando logo que a caixa fosse aberta.
A certa altura alguém se queixou que faltava a engoreta. Quê?! Engoreta é a alcunha de uma pessoas que conheço em Areias! Afinal a engoreta era um objecto importante na arrematação dos “segredos”. A engoreta é um pequeno barril de madeira, com forma abaulada, usado para transportar vinho. Quem licitava recebia a engoreta podendo beber, mas se outra pessoa licitasse rapidamente, a engoreta mudava de mão, sem dar tempo aos licitadores para se saciarem com vinho. Olhei em volta, nada de ver a engoreta, mas havia uma bota, daquelas feitas com pele (e com pelo!) de cabra e revestida internamente a pez. Entregaram-me a bota e aproveitei para mostrar a minha destreza (treinei durante a campanha da azeitona).
Também as línguas de porco, ofertas tradicionais para serem leiloadas, estavam praticamente ausentes. Apenas me lembro de ver uma, apimentada, acompanhada por azeitonas pretas, coisa de fazer crescer água na boca. Habitualmente as línguas de porco eram arrematadas depois da missa, ao longo de vários domingos e não só neste dia.
Ementes eu dava a volta pelo círculo, foram arrematados, os bolos (um chegou a 30€), o azeite (em grupos de 20 litros que chegaram aos 65€), sacos de batatas, mel, doce, feijão seco, fruta e frutos secos, etc., muitas das coisas compradas pelos que as tinham oferecido. Saíram ainda das caixas três coelhos e um pato. Reinou sempre a boa disposição, acompanhada por alguma disputa na tentativa de fazer subir os lances, o que raramente aconteceu. Curiosamente o dinheiro arrecadado com esta iniciativa (que no ano passado totalizou os dois mil euros), não reverte a favor de S. Sebastião, sendo entregue à paróquia.
Para o final ficou um cesto cheio de fumeiro. Antes de ser posto em licitação já tinha despertado o apetite em várias pessoas. Até eu já tinha verificado se tinha a minha “palaçoula” comigo. A “luta” desenvolveu-se entre o Seixo de Manhoses e o Vieiro, acabando os salpicões, pés-de-porco, alheiras e afins por ir parar ao Vieiro por perto de 100€. O despique foi rematado com a expressão “nem por 100 ouros o lebabas…”. A forma tradicional de apresentar o fumeiro era pendurando-o num ramo que era exibido na altura da arrematação. Seria muito difícil pendurarem todo o fumeiro do cesto, num só ramo!
Depois dos agradecimentos aos presentes feitos pelo Presidente da Junta de Freguesia, o grupo “Os Pelões” cantaram os Reis e as Janeiras com a sua alegria contagiante.
Vamos dar a despedida
Termina o nosso cantar,
A oferta que nos derem
Muito nos vai alegrar.
Era um fim de festa em alegria, contava-se a receita, carregavam-se as batatas e as cebolas, provavam-se os bolos. Aproveitei para trocar algumas palavras com a professora (já na reforma) Olímpia Coelho, dinamizadora desta tradição já há cerca de 30 anos. Pegou nesta iniciativa quando estava em actividade, recolhendo as esmolas com a ajuda dos alunos da escola primária. Felizmente as coisas estão melhores e não faltam voluntários a colaborar na recolha de tantas ofertas, que têm mesmo que ser transportadas numa carrinha ou no atrelado de um tractor.
Contas feitas, as esmolas renderam um pouco mais de 1900€ que serão utilizados no pagamento de obras, feitas ou a realizar pela igreja.
Por último acrescento que também participei nalgumas licitações! Os dois “segredos” com que fiquei tinham um, um saco de rebuçados, outro, um saco de fruta cristalizada. Comprei ainda um grande bolo de amêndoa (delicioso, já comi), uma garrafa de vinho espumoso e uns bons quilos de cebolas.
Nota: No dia 28, possivelmente durante a manhã, vai passar na Radio Ansiães (98.1 FM), a reportagem feita no local.
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12 comentários:
Caro amigo Aníbal.
Então andas-te a ver,como eram as esmolas de S.Sebastião em Freixiel? Parece-me é que deste vez,também fizes-te o teu pézinho(dentinho?).Era para poderes falar melhor,com conhecimento de causa,ou será que já estás apanhar o geito aos "merendeiros" de
cá?Pelo que contas acho,ficas-te aprovado no exame.(mas olha que conheço uns amigos aqui de bem perto,que não têm a fama mas têm o proveito-nós temos a fama, o proveito e ás vezes algum geito).
Agora mais a sério,fiquei contente com o que relatas-te sobre essa tradição em Freixiel,especialmente,porque foi sempre uma aldeia de fortes e grandes tradições,que me parecia vinham morrendo nos ultimos anos.Havia um grande sentido de comunidade,que agora me parece reaparecer e ressurgir(veja-se o grupo de cantares e outros).Aqui deixo os Parabèns,á boa gente de Freixiel e a ti também,por nos relembrares,o que se nos estava a esquecer.
Um abraço amigo
Rui Guerra
O Padre Zé é bem latagueiro. Só anda bem nas festas e nas merendas...
Olá
Ao ler esta descrição,
Foi então dia de festa.
A quem faltou pontaria e
Esguichou vinho pr'á testa?
Elogio a colaboração
Das gentes de Freixiel;
As ofertas foram muitas
Mas pouparam no tonel!
Já não se faz tanto vinho
Mas nos bolos capricharam;
Estiveram bem, artistas;
Muito trabalho levaram!
"Tamém lobaba" o fumeiro.
Qur'ia lá saber da quantia...
Dava trabalho à "palaçoulo"
Eo resto, logo se via...
A tradicção dos "segredos"
Afinal está a mudar:
Já não conta a surpresa
Mas sim doces pr'adoçar?!
Mas se puder eu sugiro
Por ter mais valor, defacto:
O recheio de outrora
Criaria outro impacto!
Gosto do nome do grupo:
"Pelões" do meu coração.
Estão de parabéns, amigos,
P'la festa de S Sebastião!
Minha querida professora,
Quanto lhe deve essa gente...
É Única. Lição de Vida!!!
Sua Obra, seguirá em frente!
Cumprimento-o, senhor presidente
Por esta causa abraçar;
Não vejo substituto
Com mais garra pr'arrematar!
Ao resto do pessoal
Mando daqui um abraço,
Sois povo da minha terra,
Constai também deste espaço!
Ai o fotógrafo levou cebolas?
É um produto que aprecio.
OBRIGADA, AMIGO ANÌBAL,
Por mais este desafio!
As tradicções têm vida (s),
Cumpram-se e com verdade.
Distinguimo-nos p'las diferenças,
Afirmamo-nos p'la identidade!!!
Abraço
EL
caro professor anibal, grande reportagem!o meu bem haja pela divulgação que faz das nossas tradições.que belo retrato! parabéns! e só tem que continuar.
Devo dar-lhe os parabéns por fazer um retrato tão belo sobre a nossa terra! Digo tão belo porque nem tudo é um mar de rosas como retrata!!!! Porém acho uma grande injustiça não utilizarem o dinheiro que amealharam na arrematação para fazer as tão esperadas obras na capela de S. Sebastião, pois consta que já a uns bons anos que as espera e nada. Ou será que o dinheiro que o Sr. Padre anda sempre a pedir por tudo e por nada(a côngrua mensal, o folar da páscoa etc.) não são o suficiente para a paróquia??? Lamento o facto de o povo de Freixiel só ser unido em apenas algumas e poucas causas que vão decorrendo na nossa aldeia, que podia ser o paraíso se não fossem tantas invejas e intigras que decorrem em dias não festivos.
Mas tenho fé que a geração nova que recria novos eventos anuais modifique o modo de penar da nossa aldeia pois: «Freixiel é um jardim e toda a gente o diz assim é tão linda a nossa terra...»
Devo fazer uma correcção no meu comentário anterior a congrua que o Sr. Padre «exige» é anual que equivale a um dia de jorna do pobre agricultor. E já agora quem não a pagar é privado de determinados serviços assim como funerais baptizados, casamentos etc ... e quem paga quando chega a precisar no momento tem que as voltar a pagar pois por coincidencia o nosso querido padre encontra-se sempre ausente!!! porque será???
sei que há gente pequenina na nossa terra, mas nunca pensei que houvesse táo grandes cobardes.decente, é falar na cara das pessoas,porque nas costas a pessoa atingida não tem defesa.envergonhem-se de estar a ocupar um espaço que não é vosso,para serem caluniadores.peço imensa desculpa ao professor aníbal,mas tenho vergonha que esta gente seja da minha terra.
Sou uma filha da terra e lamento os comentários desagradáveis feitos por alguém que de certeza nada contribui para que este e outros eventos aconteçam.
A todos os que têm participado e se têm envolvido para que as tradições não morram, deixo os meus sinceros PARABÉNS e espero que continuem. Acreditem que vale a pena, é muito bom vermos que a nossa aldeia está novamente a ficar dinâmica.
E tal como diz o ditado: "Quem desdenha, quer comprar!".
Um abraço a todos!
então tenho a informar o sr.ou sra.anónimo,que continua muuuiiito mal informado(a)ainda mais a meu respeito,lol,lol.
e mais não digo,porque este não é o meio adequado,pois este blog é de uma pessoa que eu muito respeito e admiro e é para fazermos comentários ao trabalho dele e não a outros assuntos que não são para aqui chamados.
Obrigado Professor Aníbal, pelo trabalho e dedicação que tem para com as raízes e costumes do nosso concelho!
"Freixiel é um jardim..."
E na realidade em qualquer jardim existem flores com perfume, cor e beleza que transmitem paz, harmonia, tranquilidade e alegria!...Mas em qualquer terra onde existam boas plantações, existem sempre "ERVAS DANINHAS" que tentam destruir as culturas dessa terra!!! É verdade, existem sempre. Mas essas "ERVAS DANINHAS" que se dizem donas da boa "cultura" por mais que se esforcem não vão conseguir extreminar raízes de boa qualidade que existem na nossa terra.
OH, FLORES DE FREIXIEL, vamos continuar a plantar no nosso jardim as boas culturas e as "ERVAS DANINHAS" que se tratem porque no final o bem vence sempre.Haja cultura, alegria e juventude!!!Nós construimos pontes e as "ERVAS DANINHAS" escondem-se atrás dos muros que elas próprias constróem, porque têm vergonha de mostrar a sua inutilidade e infertilidade na terra em que vivemos. Freixiel, estou contigo e com humildade e dignidade vamos continuar a construir, porque eu sei que nós conseguimos e não vão ser essas "ERVAS DANINHAS" que nos vão impedir de crescer e de dar frutos. Oh, "ERVAS DANINHAS" porquê tanta ignorância e sofrimento!Estão sempre farmácias de serviço!!!
Parabéns a todos os benfeitores.Gosto muito da minha terra e da minha gente.
Inês Gouveia
Olá
Também sou filha de Freixiel. Há já trinta anos que daí saí.
Estou grata ao professor Aníbal por ter correspondido com tanta generosidade, dedicação e respeito a mais um desafio/trabalho de descoberta do/no nosso concelho - a arrematação de S Sebastião, em Freixiel.
Li, com muita atenção, o que já foi escrito e, permitam-me referir/lembrar/acrescentar que sensatez, civilidade, prudência, honestidade, rigor e transparência, são qualidades intrínsecas de Gente de Bem e de grande Boa-Vontade.
Assim, se nem tudo é um "mar de rosas": se há descontentamento, se há injustiças; organizem-se, reunam-se, coloquem os problemas na mesa e discutam-nos de uma forma franca e serena.
Porque, e muito bem, se ainda acreditam e investem na "geração nova", há que lhe transmitir exemplos/modelos de disponibilidade, correcção e grande respeito, para uma saudável resolução do que não possa estar tão bem.
Ciente de que muitas vezes se faz uma "tempestade num copo de água", porque se age e reage irreflectidamente, levem por diante esta máxima: "a falar é que as pessoas se entendem". Conversem amigavelmente e verão que o que faz mesmo falta nesta contenda é o diálogo. Entendam-se no local certo e com as pessoas certas.
Não tenho o direito de ferir a susceptibilidade de ninguém, já que não vivo a realidade de perto; no entanto, era muito bom que fossem AMIGOS!!!
Abraço-vos com saudades
Esmeralda
Cara Esmeralda.
Apoio a tua sensata intervenção.è mesmo necessário conversar,dialogar, não falar mal.
E porque estou com pressa,eu conheço relativamente bem Freixiel e acho tem um potencial,económico e humano muito grande.Portanto acordem e entendam-se em prol da v/ terra.Porque assim,perde a v/ terra e consequentememte vocês.
Vá lá força gente boa e dinâmica de Freixiel.
Obrigado também ao Aníbal.
Abraço amigo.---Rui Guerra
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