10 outubro 2009

O Passado e o Presente (2)

Já aqui coloquei um pequeno excerto do livro "O Passado e o Presente", em dois actos e 10 quadros, escrita por Dr. Artur Trigo Vaz e levada à cena em Vila Flor, nos dias 31 de Dezembro de 1949 e 1 de Janeiro de 1950. Foi mais um dos livros que me acompanhou durante o Verão.
Não assisti a nenhuma das representações. Pelo que julgo saber aconteceram em 1931, 1949, 1950 e 1994. Nesta revista fica-se a a saber bastante da história de de Vila Flor, mas de uma forma alegre, às vezes crítica, outras vezes brejeira. Embora o teatro, mesmo que de revista, não seja coisa a que eu esteja habituado, senti-me bem a ler os diferentes quadros. Uma das passagens a que achei mais graça fala assim da bomba que existiu na Praça da República:
Estava na Praça em frente do Santo Cristo. Parece que estou a ver aquele movimento de criadas, umas de um lado para outro, com cântaros à cabeça, outras agarradas à manivela a fazer girar a roda grande que chiava nos gonzos, enquanto pelo cano largo, encurvado na ponta, saía, em goladas, a água que enchia os cântaros... Que saudades! ... Ainda tenho nos ouvidos aquele chiadouro monótomo... Isto tem beleza, história e poesia. Poesia de idílios amorosos; história simples da antiquada captação de água; beleza do cenário feminino... com exibição das esbeltas colunatas de pernis gorduchos das criadas, glabras e brancas, visíveis aos movimentos de vai-vem das ancas... Era um ror de rapazes a admirar o panorama, sorridentes e sempre prontos a atirar uma piada sem alvo, um gracejo juvenil, um insulto de ciúme, a desabafar uma afronta assolapada, a ripostar um desafio malcriado.
Todas as tardes era ali o ponto de reunião dos namorados. Brincadeiras sucediam-se sem parança. Era uma que, depois do cântaro cheio, só para ter de esperar mais um bocado pela vez; outra que prendia a rodilha molhada à roda da bomba só para se rir de ver as outras, que estavam próximas, todas molhadas; outra que se sentava na manivela só para ter o prazer de andar no baloiço... o prazer não seria só esse! E nesta brincadeira sem fim, não se lembravam que a senhora da casa onde serviam estavam à espera da água para fazer as migas ou deitar o bacalhau de molho... A bomba era o pretexto para muitas desculpas... Se a criada se demorava e a patroa ralhava, era a bomba que pagava as favas... "deita pouca água... eu não tive a vez mais depressa... se a senhora soubesse como tenho os braços de puxar..." Era a eterna desculpa... mas a culpa de todo o atraso era outra... era o namorico... O João ou o António que queria dizer umas palavrinhas, mas que se envergonhava no meio de tanta gente... Isso vai para o Museu e junto a ela um cartão das patroas aborrecidas, agradecendo à Câmara a boa ideia de encanar para casa a água e de acabar com a bomba, prelúdio dos namorados e causa de tantas arrelias. A bomba da praça poder-se-ia chamar a fonte dos amores envergonhados... os desavergonhados tinham a sua fonte predilecta "a Fonte grande". Lá vai para o Museu: a vergonha envergonhada a vergonha desavergonhada...
É possível que este livro se encontre na Biblioteca Municipal, eu encontrei-o no museu Berta Cabral.
Ver também : O Passado e o Presente (1)

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Anibal.
Como poderia eu esquecer a representação do "Passado e o Presente", em que participei em meados de 1994.Fiz o papel de ardina e cantei um fado da saudosa Amália.Jamais esquecerei, foi um momento fantástico,único na minha vida.Pena que só houvesse duas representações, quando muita gente das aldeias e inclusivé de vilas vizinhas demonstraram interesse.Tanto trabalho,tando ensaio e tudo acabou com duas representações.Resta-me tentar arranjar a gravação,pois sei que ela existe.Tal como o seu autor Dr.Vaz, também alguns dos nossos companheiros já partiram.Saudades ficaram
Abraço
Rui G.