Apesar da continuidade da manutenção do dia santo no dia da celebração do Corpo de Deus não estar assegurada, sendo possivelmente este o último ano em que tal se verifica, esta festa tem profundas raízes nas celebrações católicas e um grande significado. Embora chamada do Corpo de Deus, a designação mais correta seria Corpo de Cristo, derivada de Corpus Christi. As celebrações tiveram início no séc. XIII, na Bélgica, espalhando-se depois por toda a Europa e mundo Católico. Esta festa está ligada à Páscoa, mais concretamente à Quinta-Feira Santa, daí a festa do Corpo de Deus se celebrar sempre numa quinta-feira. Acontece sempre 60 dias após a Páscoa.
Esta exaltação da presença real do corpo de Cristo na Eucaristia tem como ponto alto a realização de uma procissão, tendo a primeira sido realizada em 1264. Com o corpo de Cristo a ser transportado ao longo das ruas surgiu em Portugal (tendo-se espalhado depois para o Brasil) o hábito de fazer tapetes de flores ao longo das ruas por onde passa a Custódia, com a hóstia consagrada.
Guardo muitas recordações desta prática dos meus tempos de criança, e foi com bastante satisfação que a vim encontrar ainda viva em grande parte das aldeias do concelho de Vila Flor. Já em anos anteriores fiz referência às aldeias de Vilas Boas, Valtorno e Samões e, este ano, desloquei-me a Seixo de Manhoses para acompanhar estas celebrações.
A celebração seguida da procissão teve lugar ao fim da tarde. O dia esteve ventoso o que dificultou a tarefa de fazer o tapete de flores que percorria a maior parte da aldeia. Mesmo assim, as roas apresentavam um colorido admirável, elaborado com um misto de fé e de vaidade, porque há um certo despique para que a sua rua se distinga das restantes pela qualidade das flores e pelo arranjo das mesmas.
Parece que, em tempos, a Comissão Fabriqueira chegou mesmo a distribuir prémios pelas ruas que se distinguissem, mas tal não acorre atualmente, e acho bem, porque poderia desvirtuar o significado do gesto de fazer essas passadeias.
Os materiais para fazer as passadeiras podem ter algumas variações dependendo se a Páscoa ocorre mais cedo ou mais tarde, coincidindo ou não com a época de floração de algumas espécies. Originalmente a força das flores era de origem silvestre, com destaque para as flores das giestas (maias), amarelas, abundantes nas zonas mais frias do concelho. Este ano foi mesmo necessário procurarem-nas em zonas de maior altitude, perto do Mogo de Malta, porque é praticamente o último lugar onde ainda existem em abundância (por ser uma zona mais fria). Reparei que no Seixo não foram usadas as flores das arçâs (rosmaninho), mas noutras localidades são muito utilizadas.
Com algumas nuances de bairro para bairro, são usadas flores, pétalas e uma grande quantidade de verdes: rosas, maias, margaridas, sabugueiro, fetos, heras, funcho, serrim, etc. Em determinados locais foram "desenhados" cálices, custódias ou cruzes, em cores vivas e feitos com muito rigor.
A procissão saiu da igreja Matriz, seguiu pela Rua do Castelo, desceu ao largo de Santo António, Capela de Nossa Senhora do Rosário, Jardim de Infância, virando depois à esquerda para o largo do Senhor dos Aflitos. No cruzeiro que existe nesse local foi feita uma paragem para oração. A procissão regressou à igreja pela rua Principal e depois pela rua da Igreja.
Terminada a celebração é de louvar a mobilização das pessoas que rapidamente procederam à limpeza das ruas impedindo que o vento espalhasse os arranjos, dificultando depois a limpeza.
Esta bonita tradição ainda se mantém bem vida na aldeia de Seixo de Manhoses. Vamos esperar para ver como é que ela vai evoluir com o desaparecimento do Dia Santo.
Sem comentários:
Enviar um comentário