Não quis começar a inventariação das Alminhas do concelho de Vila Flor sem me informar minimamente sobre este assunto. Todos estamos habituados a encontrar alminhas em vários pontos das localidades e fora delas, mas a variedade é tal, que dou comigo a pensar: - Afinal o que é que são Alminhas? Qual o seu Significado?
Aquilo que parecia uma simples consulta à Wikipédia, fonte de todo o conhecimento em época dos Magalhães, transformou-se numa sessão de muitas horas de pesquisa, tentando encontrar a ponta do fio, nem que para isso fosse necessário palmilhar caminhos mais sérios, sobre a história da igreja e o comportamento humano, em textos de natureza mais científica.
Quando eu nasci, as Alminhas já existiam, devo pensar que são tão antigas como o cristianismo? Tudo leva a crer que não. Embora alguns estudiosos ponham a hipótese das Alminhas serem a evolução de pequenos altares que os romanos construíam aos deuses nas encruzilhadas, essa não parece ser a teoria mais aceite. Não há dúvida de que as Alminhas estão relacionadas com o facto de se acreditar que a alma dos justos, após a morte do corpo, terá que suportar algum sofrimento para que se purifique dos pequenos pecados (não capitais) num lugar intermédio, entre a terra e o Paraíso, ou seja, no Purgatório. A existência do Purgatório foi posta em causa por teólogos durante o século XIII e mais tarde por Lutero e Calvino.
A igreja, com sede em Roma, esforçou-se por dar resposta a essa questão em vários concílios, afirmando como verdade a existência do Purgatório e a validação da oração, no Concílio de Trento, no século XVI. Este dogma (o Purgatório existe), despertou nos cristãos uma séria de manifestações de fé com vista à salvação das almas dos seus ante queridos em sofrimento: orações, missas, esmolas, etc. Para ajudar a divulgação da mensagem, não acessível a todos em texto, começaram a ser produzidas gravuras de fácil entendimento, com pinturas apelativas, que tocavam as pessoas com grande facilidade. As tabuinhas com as representações do Purgatório pregadas nas portas das cidades e noutros lugares públicos, espalharam-se durante o século XVIII, a todos os caminhos encruzilhadas e montanhas.
Adquirem formas diferentes conforme a região e os materiais existentes, indo desde a mais simples cova escavada nas rochas a pequenos templetes trabalhados com rigor e beleza. Abrigavam retábulos pintados, a fresco ou a têmpera, sobre madeira ou folha-de-frandres. As pinturas representam o fogo do Purgatório sob a forma de uma fogueira, onde as almas, com as mãos levantadas pedem auxílio a anjos e santos como S. José, S. António entre outros, do anjo S. Miguel Arcanjo (com a sua balança), de Jesus Cristo crucificado, da Nossa Senhora do Carmo, da Nossa Senhora do Alívio e do Espírito Santo. Pedem também às pessoas que por ali passam que rezem por elas:
“ó vós que ides passando, lembrai-vos dos que estão penando”
ou com outra mensagem ainda mais forte, apelando à solidariedade:
"Nós penamos e vós zombareis, mas lembrai-vos que como Nós sereis”
Estes humildes monumentos, tão enraizados na tradição portuguesa, têm uma forte implantação em todo o Norte e Beiras de Portugal e na Galiza. Espalhados pelas praças, pelos caminhos, nas encruzilhadas, nas pontes e em todas as saídas e entradas das povoações, as Alminhas eram respeitadas e veneradas por todos, que se descobriam quando por elas passavam, rezavam, colocavam flores, velas e também uma esmola, em caixas metálicas colocadas para o efeito, cravadas nas rochas, com uma grossa chave à guarda de um mordomo.
Com o tempo, o cuidado com as Alminhas foi diminuindo e a sua frágil construção levou à sua deterioração e até destruição. Foi já no século XX, durante a época de 50 que as Alminhas voltaram a ser alvo de uma grande devoção. Os painéis pintados sobre o zinco, a madeira ou a cal, deram lugar a um suporte mais duradouro, o azulejo, policromado ou de uma só cor (azul). Como muitas vezes acontece, a ânsia do novo e brilhante leva à substituição de exemplares representativos por trabalhos mais modernos, vistosos e duradouros, mas de fraco valor artístico e histórico. Entretanto, alguns foram caindo no esquecimento, até aos nossos dias.
Nos próximos tempos, vou tentar fazer uma recolha, a mais completa possível, das Alminhas existentes no concelho. Para esta recolha, vou seguir o critério de considerar Alminhas os painéis/pinturas destinadas a pedir orações pelas almas dos mortos. Estas imagens representam as almas nas chamas do Purgatório, atendidas por um certo número de santos ou certos símbolos religiosos que as procuram libertar. Muitas vezes já não existe qualquer painel ou pintura, mas somente o suporte – o nicho – escavado nas rochas ou construído em variados materiais.
As fotografias representam alminhas em Assares, Vila Flor (perto da barragem Camilo Mendonça) e Macedinho.
7 comentários:
Muito esclarecedor o trabalho sobre a origem das Alminhas que são manifestações de fé do nosso povo!!!
Gostei muito!
Cumprimentos
Anita
Parabéns Aníbal primeiro pela ideia e depois pela interessantíssima proposta que é essa de inventariar as alminhas do concelho, manifestações de pé-de-estrada de um ancestral culto dos mortos encriptado na representação do purgatório e no sufrágio das almas . Ficamos todos em dívida consigo por mais este trabalho e votos de que o leve até ao fim . Abraço do
Daniel de Sousa
Olá Aníbal,
gostei do que escreves-te pois também me
interesso sobre o tema.
Podes saber mais sobre este tema no livro:
Ribeiro, A.A., 2004.As gentes do douro vinhateiro: tradições e manifestações religiosas. Universidade do Minho. na página 137.
O livro está disponivel no formato electronico no site
http://repositorium.sdum.uminho.pt/
Cumprimentos
Obrigado Valentim, pela dica. Já dei uma espreitadela e descarreguei toda a Tese para uma análise mais profunda mais tarde. Até porque trata também outros temas muito interessantes, do minho, mas que não são muito diferentes em trás-os-montes.
Olá sr. Daniel, vejo que se tornou um visitante assíduo de vários À Descoberta. Tenho muito gosto em receber a sua visita neste humilde Blogue.
A Trasmontana, "cliente" primeira das minhas escritas pelas noites longas, saiba que, quando não me visita, sinto muito a falta do seu sinal.
Ó Aníbal, fiquei tão emocionada com as suas palavras!!!
Logo que me levanto, venho ao computador, ver o "À descoberta..."
Se não escrevo sempre, é porque tenho medo de me tornar aborrecida...
Mas não passa nada que eu não veja!!!
Este blog já é um pouco do oxigénio que respiro...
Faz-me muito bem.
Obrigada por tudo.
Cumprimentos
Anita
Gostei desta aula sobre as "Alminhas"
Gosto muito das suas histórias, obrigada por me esclarecer dúvidas das quais eu tinha em relação a minha terra natal.
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