21 abril 2011

Domingo de Ramos

 "Em minha casa, os ramos eram feitos de oliveira com três camélias e uma peneirinha de alecrim a enfeitar, atadas com laço de seda. E da palmeira do jardim, fazia-se larga distribuição de palmas enormes pelos obreiros. A missa, meia igreja estava repleta de ramos, a mór parte muitos altos, fachoqueiros de dois e três metros, num agitar constante como floresta basta fustigada de sueste. Primeiro, ondulação,branda; depois, brandir nervoso, como chap chap era tão notório que o Padre António, santo velho! vinha de lá, da lá, da sacristia e desatava às noladas com o breviário na cabeça dos que apanhava à mão. «Para que tivessem respeito, que se lembrassem do lugar onde estavam. Depois, na rua, que brincassem à vontade. Ali, não!».
A missa decorria numa unção de beleza e simplicidade, de que o véu espesso das minhas saudades não me deixa já conceber qualquer descrição. Sei que nesses dias tinha o coração em festa, sentia-me inteiramente feliz, o meu pensamento era de azul, o mais garrido azul que o céu da minha terra mostrava naquelas manhãs de Primavera pascal. Os cânticos das Filhas de Maria, o órgão, os tapetes «ricos», um dos quais já quiseram roubar para o Museu Abade de Baçal, as opas de seda «moirée» dos Irmãos do Santíssimo, o incenso, as fatiotas esticadinhas... onde, mais encanto e singeleza?!...
Às noites, ensaiava-se o espectáculo que o Grupo levava à cena no domingo de Páscoa: duas comédias, orquestra, variedades, monólogos e cançonetas. O teatro era em primeiro andar, por baixo um lagar de azeite e por cima telha vã. A iluminação era de acetilene, assentando o gasómetro gerador num cantinho do andadouro dos bois. O páleco, como lhe chamava um carola daquelas festas, lá estava, regular, vamos andando. Ribalta, caixa do ponto, gambiarras, bambinelas, cortinas, dois cenários, camarim, pano de boca, de enrolar, enfim... um palcozinho! A plateia enchia-se na véspera com cadeiras pedidas ao Club, ao tribunal, e casas particulares de mobílias mais abonadas. Ao todo, quê? trezentos lugares, talvez."

Excerto do livro Paisagens do Norte, de Cabral Adão.
Fotografias: Domingo de Ramos em Zedes (Carrazeda de Ansiães) e em Samões.

1 comentário:

Transmontana disse...

Bom dia, Aníbal!

Fiquei deliciada com o texto do grande vilaflorense Cabral Adão! Conta tudo com tal clareza e simplicidade que nos parece estarmos lá, mesmo, no lugar onde tudo se passava!
Gostei muito! Parabéns pela escolha apropriada à época pascal!

Tenha uma Páscoa feliz junto dos que mais ama!

Um abraço amigo

Anita