A minha terra é uma sede de comarca do distrito de Bragança, chamada, por mercê de vontade real, Vila Flor.
Se «quem o feio ama, bonito lhe parece», que acontecerá com quem ama o bonito? Excede tudo quanto se possa congeminar em alegria íntima, em plenitude de encanto, em sorrisos interiores de aprazimento. Amar a minha terra é amar uma flor, o fulcro da mais bucólica poesia, o molde da beleza, a cor, a graça, a doçura!
Ainda me chegam a cada passo os perfumes da serra, aquela vertente do Facho que se avista logo do Alto de Espinho, no dorso do Marão, divisório e austero.
São estonteantes as emanações do mar amigo, à beira do qual me fiz enteado, por felicidade do destino. Eu já me acostumei a estas paisagens aliciantes, que o mar recorta em quebradas de capricho, cauda verde-clara a brincar permanentemente com os panos verde-escuros da nossa costa arrábida. Mas quando me extasio pelos altos de São Filipe ou de São Luís, gozando a delícia de panoramas duma nobreza sem par; quando me perco, como um ponto num todo, pelo areal imenso e miudinho da Tróia, procurando nos conchais as peças mais bizarras; quando me embriago na alegria picante dos laranjais da beira-Sado, outros mares espumados de folhagem escura, onde as bolas de oiro sorriem aos olhos, pontuando a fortuna do apetite em haustos de cor e fragância; quando os crepúsculos de Outono me prostam numa adoração de hossanas, embebendo-me a alma com melancolias de ametista e oiro... - ah! então a voz do berço vem-me bater aos ouvidos, como um ressaibo de quem sofre ciumes! E que faço eu, meu Deus? Que faço?
Abro o coração e releio as colecções das minhas lembranças. É então que eu julgo sentir as tais nevralgias da alma que nós somos atreitos. É então que eu julgo sentir - saudades!!!
Excerto do livro Paisagens do Norte, do Dr. Cabral Adão, publicado em 1954 e reeditado em 1998 pela Câmara Municipal de Vila Flor.
A fotografia foi-me oferecida por um dos filhos do autor do livro, a quem muito agradeço.
2 comentários:
Bom dia, Aníbal!
Que grande testemunho de saudade da sua terra natal nos dá o Dr. Cabral Adão, neste excerto do seu livro! Só quem muito amou a sua terra pode assim falar dela!
Fiquei deliciada com a leitura!
Parabéns e, obrigada pela partilha!
Um abraço amigo!
Anita
Quem assim escreve da sua Terra, deixa transparecer a ternura pelos poros,e a pessoa humana deveria ser de enorme sensibilidade e doçura,um grande orgulho para qualquer Vila Florense,que na leitura deste texto,nos faz saborear frutos doces e água fresca das suas fontes,paladares guardados no recôndito da nossa memória,despertos com esta terna alusão á terra da nossa infância e nos reconforta até á próxima visita. Obrigado,a quem o escreveu e a quem teve a sensibilidade de o transcrever. Fátima Amaral
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