03 abril 2007

Aldeias com Vida e com história


No dia 2 desloquei-me a Freixiel, desta vez com a família, para participar num pequeno passeio por alguns lugares históricos. Alguém lhe chamou “aula” de história em Freixiel e, na verdade, foi uma verdadeira aula, sobre a história de Freixiel que mergulha na história da região, da nação e do homem.
Para cicerone não podia ter sido escolhida melhor pessoa, Cristiano Morais. Filho da terra, profundo conhecedor dos locais que visitámos, que percorre desde a juventude, pesquisador de tudo que se relaciona com Vila Flor, com uma presença bem disposta e gosto em partilhar todo o conhecimento acumulado.
O ponto de encontro era o Pelourinho. Não deve ter sido escolhido ao acaso mas acabou por ficar de fora. Em Freixiel são numerosos os locais a visitar.
Formou-se um grupo de cerca de 30 pessoas, com idades entre os 8 e os 90 anos (mais concretamente 89), constituído pelas pessoas envolvidas nas várias vertentes do Programa Aldeias Vivas, alguns jovens estudantes, agora de férias, e algumas vindas de fora propositadamente para este encontro.
Mesmo antes de entrarmos na Rua Grande, na Rua da Casa do Concelho, surgiu a mesma questão que eu coloquei no fórum a 12 de Janeiro. O que representa a pequena escultura incrustada na padieira da porta de uma garagem de uma casa recente? Foi unânime a ideia de que representava uma figura antropomórfica. A escultura pode estar incompleta, pois não é visível, à primeira vista, qualquer formação identificável com a cabeça. Para Cristiano Morais não há dúvida que representa uma divindade com relação com a fertilidade apontando a representação de órgãos sexuais femininos. A representação de figuras femininas com formas muito acentuadas, também chamadas Deusas Mães, remontam a umas boas dezenas de milhares de anos antes de Cristo (Paleolítico), sendo-lhes atribuído um poder mágico ligado à fertilidade. A juntar à estranheza da escultura surge a interrogação pelo facto da mesma ser encontrada na casa onde se encontra, quando se procediam a obras.
A segunda paragem aconteceu no Solar dos Araújos Borges. Foi completa a explicação de todas as representações do brasão com armas dos Araújos e dos Borges. Aqui morou um Fidalgo da Casa Real, coronel das Milícias em Chaves.
Seguiu-se um pequeno passeio até ao promontório onde se eleva o castro ou Castelo. Pelo caminho fomos encontrando muitos pedaços de barro e compreendendo que naquele local podemos abraçar milénios de história. As lendas também estiveram presentes, visitámos o local que deu origem à lenda da Fonte da Crica da Vaca e ouvimos falar da Ponte do Diabo.
Passeámo-nos pelo olival antiquíssimo plantado no mesmo local onde existiu o habitat romanizado do Castelo. Terá aqui existido um povoado de consideráveis dimensões. O elemento mais idoso do grupo fez questão de nos mostrar a localização onde se pensa ter existido a capela de Santa Marinha.
Subimos a uma cota um pouco superior à procura de uma preciosidade. Trata-se uma fraga granítica com insculturas pré-históricas. É bem visível um círculo com uma covinha no centro e muitas outras covinhas (mais de meio cento), gravadas aparentemente com alguma ordem. Esta é uma prova que faz recuar a ocupação deste espaço a alguns milhares de anos antes de Cristo, relevando para outro plano o cartão de visitas da aldeia, a tão conhecida Forca de Freixiel.
Subimos ao Castro. Apreciámos a única construção de habitação existente que surpreendeu todos pelas suas reduzidas dimensões. Visitámos também o local onde são visíveis restos de algumas muralhas, dos vários níveis que o defendiam. Este local foi o que eu visitei no dia 15 de Janeiro na minha primeira “descoberta” do Castro de Freixiel.
As horas foram passando tão rápidas como as histórias. Viajámos no tempo e no espaço dos povos pré-históricos acossados pelos ursos aos hospitalários, das palas aos solares, das vias romanas às estradas reais, do poderio de Ansiães ao pequeno concelho de Vila Flor.
Terminámos a visita histórica, onde tudo termina, no regresso à terra. No sopé da elevação onde se ergue o Castro há uma sepultura escavada na rocha.
Com a tarde quase no fim, verificámos que sobrou matéria para muitas mais “aulas” de história em Freixiel. Regressámos à aldeia.
Não consegui acompanhar tantos séculos (milénios mesmo) de história numa só tarde. Ficou a semente, a curiosidade e o respeito por tudo que nos mostra de onde viemos, o que fomos, porque vivemos assim. Não fora a minha ânsia de descoberta de paisagens, lugares, plantas e animais, hábitos e pessoas, e dedicaria muito do meu tempo livre a estudar histórias, é uma área fantástica.
Agradeço às pessoas de Freixiel (em especial à Esmeralda) por se terem lembrado de mim. Quanto ao mestre Cristiano Morais, espero que este tenha sido o primeiro de outros encontros e assim eu consiga maior "bagagem" histórica, para este meu percurso de descobertas.

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